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Relações entre escola e Conselho Tutelar – Entrevista com Rose Modesto

Para educadora social, é momento de desfazer tabus e reconstruir aproximação entre escola e Conselho Tutelar, duas pontas importantes do sistema de garantia de direitos

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Como é a relação entre escola e Conselho Tutelar no território da sua Unidade Educacional? Para a educadora social Rose Modesto, que coordenou oficina no último evento do Respeitar é Preciso!, uma aproximação maior entre essas entidades é muito importante, já que estão em pontas diferentes do mesmo sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes.

No entanto, há às vezes um tabu a respeito do conselheiro ou conselheira tutelar como uma ameaça para as famílias, estudantes e até para educadores/as da escola. Segundo Modesto, a proximidade de uma nova gestão do Conselho Tutelar, que assumirá pelos próximos quatro anos, é ótima oportunidade para uma necessária reconstrução na relação:

“Parece que queremos que tanto o professor como o aluno tenham medo do conselheiro tutelar. Sendo que conselheiro tutelar é um garantidor de direito, gente. Não é inimigo. É parceiro, é alguém que tem que estar do lado.”

Duas vezes conselheira tutelar e ex-integrante por duas gestões do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo (CMDCA/SP), Rose Modesto coordenou a oficina “Escola e ativação da rede de proteção”, durante a 4º Edição dos Seminários Regionais das Comissões de Mediação de Conflitos, entre 21 e 28 de agosto de 2023.

Pela importância da parceria entre escolas e conselheiros/as, ela sugere engajamento de educadores e educadoras no processo de eleições para o Conselho Tutelar que acontece no próximo domingo, 1° de outubro: “A escola também está na comunidade. Então precisa saber quem vai ser parceiro dela nessa luta para garantir o direito da criança e do adolescente, né?”

Na entrevista a seguir, ela fala mais sobre as possibilidades de interação entre escola e Conselho Tutelar:


Respeitar! – Onde a escola e onde o Conselho Tutelar estão localizados no sistema de garantia de direitos nos territórios?

Rose Modesto – Durante a oficina nos Seminários Regionais, eu apresentei o mapa do sistema de garantia de direitos da Criança e Adolescente, que tem três eixos estruturantes: promoção, defesa e controle. A escola está no eixo de promoção de direitos, onde estão as instituições que executam os direitos, que transformam a lei em ações práticas. Diria que a escola é a ponta do eixo de promoção de direitos, porque toda criança e adolescente passa por ela. O Conselho Tutelar está no eixo de defesa, com os órgãos que fiscalizam, porque é o ator que deve ser prioritariamente acionado quando um direito é violado. Então, eu diria que ele também é a ponta do eixo de defesa dos direitos.

Apresentação do sistema de garantia de direitos: escola na promoção, Conselho Tutelar na fiscalização (Foto: Alice Vergueiro)

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Respeitar! – Como o Conselho Tutelar e a escola se relacionam? Quais são seus pontos de encontro?

Rose Modesto – Escola e Conselho Tutelar teriam que se conversar o tempo todo. Como a escola é quem recebe crianças e adolescentes todos os dias, é o ator mais próximo quando há alguma violação de direito. Às vezes começa a faltar muito, aparece com algum sinal de violência… É importante buscar diálogo com a família, claro. Mas, quando não é suficiente, ela tem que dialogar com o Conselho Tutelar. E o Conselho Tutelar também vai procurar a escola em casos de criança ou adolescente fora da escola, por exemplo. 

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Respeitar! – Após ter coordenado oficinas do Respeitar é Preciso! e dialogado com profissionais das Unidades Educacionais, quais te parecem os maiores desafios ou dificuldades desta relação entre escola e Conselho?

Rose Modesto – Olha, acho que o primeiro desafio é o conhecimento da rede de educação sobre o que é o Conselho Tutelar e seu papel. É muito comum um olhar equivocado sobre ele. Talvez hoje não tenhamos essa parceria necessária na rede de atendimento de que eu falava anteriormente. Acredito que, para uma compreensão e uma parceria maior, é importante uma proximidade, existir rodas de conversa com o corpo docente, com alunos no pátio da escola, sabe? Para falarmos sobre o papel do Conselho. Há muita coisa perdida na relação. É como se a gente tivesse que reconstruir essa história da Educação e do Conselho Tutelar.

“Acredito que, para uma compreensão e uma parceria maior, é importante uma proximidade, existir rodas de conversa com o corpo docente, com alunos no pátio da escola, sabe? Para falarmos sobre o papel do Conselho.”

Respeitar! – O que pode acontecer para essa relação entre escola e Conselho Tutelar ser mais integrada e eficaz na garantia de direitos? Como profissionais nas Unidades Educacionais podem agir para isso?

Rose Modesto – Olha, a primeira coisa que eu penso é que a gestão atual já está terminando agora, né? Então, minha indicação é que as escolas nas diversas regiões já comecem a buscar esse diálogo com o pessoal que vai entrando, que for eleito. E esse mesmo conselho eu daria para os conselheiros eleitos, buscar essa relação com a escola. 

É importante esse diálogo sobre o papel do Conselho e uma busca pela resolução coletiva dos problemas. Por exemplo, se há um aluno faltoso, tem um papel da escola antes de encaminhar para o Conselho de imediato. De tentar entrar em contato com a família, tentar compreender o que está acontecendo. Na verdade, a relação da escola com as famílias é sempre importante, ter reuniões, conversas, atividades com as famílias na escola. E o Conselho pode ser convidado para estar junto, entende? Porque o Conselho Tutelar, os conselheiros e conselheiras estão na comunidade. Muitas vezes, têm filhos nas nossas escolas. Ele não é um inimigo da escola. 

Rose Modesto em oficina dos Seminários Regionais (Foto: Débora Neves)

“A relação da escola com as famílias é sempre importante, ter reuniões, conversas, atividades com as famílias na escola. E o Conselho pode ser convidado para estar junto, entende? Porque conselheiros e conselheiras estão na comunidade.”

Respeitar! – Quando você diz sobre o Conselho Tutelar como “inimigo”, nos remete à ideia também, às vezes utilizada, do Conselho como uma ameaça…

Rose Modesto – Tem a relação de medo, né? Parece que queremos que tanto o professor como o aluno tenham medo do conselheiro tutelar. Sendo que conselheiro tutelar é um garantidor de direito, gente. Não é inimigo, monstro. É parceiro, é alguém que tem que estar do lado.

Às vezes, o menino ou a menina está precisando do Conselho, mas não procura ou aceita porque tem medo. Tem aquela visão “Ah, vão tirar meu filho de mim”, sabe? E não é o papel do Conselho tirar filho de ninguém. Muito pelo contrário. O papel do Conselho é ir até o limite para que a criança fique com o pai, com a mãe, com o responsável legal que ela tem.

“Parece que queremos que tanto o professor como o aluno tenham medo do conselheiro tutelar. Sendo que conselheiro tutelar é um garantidor de direito, gente. Não é inimigo. É parceiro, é alguém que tem que estar do lado.”

Respeitar! – Então você quer dizer que esse momento que vamos viver agora de troca de gestão do Conselho é uma grande oportunidade?

Rose Modesto – Muito. Uma importante oportunidade. E acho que as escolas têm que estar atentas. Por que o que acontece? Outro dia, uma pessoa me perguntou: ‘O que você acha que é possível um candidato prometer nessa eleição?’ Eu falei: ‘Nada’. Porque o conselheiro tutelar age a partir da lei 8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não é papel dele inventar nada. 

Mas a gente vê por aí conselheiro tutelar prometendo asfalto. E isso não é prerrogativa do Conselho Tutelar. A gente vê conselho tutelar voltado para as questões religiosas. É lógico que pode falar de Deus. Porém, no atendimento do Conselho Tutelar, é preciso seguir a lei. Eu não posso fazer um atendimento com encaminhamento para a igreja, entende? O atendimento é outra coisa. Não posso pegar o menino que tem necessidade de acompanhamento psicológico e encaminhar para o culto. Isso não é a lei. E a gente tem visto muito isso. Não só quanto a igrejas, tem outros exemplos também. Não quero dar conotação de que estou desrespeitando religiões, só quero ressaltar o papel do Conselho Tutelar enquanto garantidor de direitos.

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Respeitar! – Qual é a importância do engajamento de profissionais da Educação no processo de eleição do Conselho Tutelar? E como pode se dar esse engajamento?

Rose Modesto –  É importante entender o papel do Conselho. É possível chamar candidatos/as para fazer uma conversa. As pessoas têm que conhecer o/a candidato/a e, principalmente, o quanto ele ou ela tem essa ligação com o sistema de garantia de direitos. 

Não é uma questão de quem é a pessoa. E sim qual é a militância dela no movimento de defesa da criança e do adolescente. Não é porque a pessoa tem quatro filhos e cuidou bem deles que está preparada para garantir direito. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. 

É preciso, primeiro, conhecer o ECA. Depois, conhecer a pessoa e avaliar se ela tem um diálogo com o movimento da infância. A partir daí, é chamar para conversar, é chamar para as reuniões, é chamar mesmo para o debate. Porque o professor, a professora, a escola também está na comunidade. Então ela precisa saber quem vai ser parceiro dela nessa luta pelos próximos quatro anos para garantir o direito da criança e do adolescente, né? 

É preciso, primeiro, conhecer o ECA. Depois, conhecer a pessoa e avaliar se ela tem um diálogo com o movimento da infância. A partir daí, é chamar para conversar, é chamar para as reuniões, é chamar mesmo para o debate.

Entrevista por Natália Pesciotta

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