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O propósito de mantermos espaços onde a linguagem vale mais que a violência

A intensidade de conflitos dentro da escola tem sido um tema recorrente entre quem vive a ampliação da retomada do cotidiano escolar. Seja nas relações entre estudantes, professores, equipes de apoio ou com as famílias, há uma percepção de maior agressividade e, em alguns casos, até de violências nas escolas. Nós, da área de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog, temos nos atentado ao tema, por meio das ações do projeto “Respeitar É Preciso!”, e entendemos como importantes algumas considerações. 

Em primeiro lugar, destacamos a ascensão de uma cultura de intolerância na sociedade brasileira, já historicamente marcada por violências e preconceitos. Nos últimos anos, temos visto conflitos desembocando rapidamente em agressões físicas, verbais e até mortes, tanto no campo e nas florestas quanto nas cidades, no trânsito e mesmo nos lares, onde incide a violência doméstica. É impossível, portanto, traçar um diagnóstico que aponte causas restritas às escolas e às pessoas que nelas convivem. 

Nos últimos anos, temos visto conflitos desembocando rapidamente em agressões físicas, verbais e até mortes

O que nos cabe, enquanto organização preocupada com os valores de Direitos Humanos na Educação, é pensar em formas para fomentar uma cultura do diálogo dentro do ambiente escolar, a despeito de seu entorno. Não seria essa, afinal, a função da escola? 

Quando falamos sobre promover uma cultura de respeito não se trata, de forma alguma, de almejar a ausência de conflitos. Pelo contrário. Os conflitos são próprios da vida em comunidade. O que tem nos preocupado é justamente a tendência de dar cabo a eles por meio do silenciamento ou aniquilamento do outro. Daí a importância de valorizarmos a escola como ambiente propício à palavra e à escuta. 

Diferente de outros locais de convívio social, que podem ser organizados por dogmas ou argumentos de autoridade, a escola se organiza essencialmente na troca de ideias e sustentação de argumentos. “O conflito é constitutivo dos agrupamentos humanos. O sonho de uma sociedade sem conflitos é o sonho do totalitarismo”, nos lembrou o doutor em Filosofia da Educação José Sérgio da Fonseca no 3º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflito da Cidade de São Paulo, em junho. “A grande questão é a palavra. Na escola, teríamos que oferecer um ambiente onde o conflito é mediado pela linguagem”, concluiu.

“Quando falamos sobre promover uma cultura de respeito não se trata, de forma alguma, de almejar a ausência de conflitos. Pelo contrário. Os conflitos são próprios da vida em comunidade. O que tem nos preocupado é justamente a tendência de dar cabo a eles por meio do silenciamento ou aniquilamento do outro. Daí a importância de valorizarmos a escola como ambiente propício à palavra e à escuta.” 

Este é o propósito das Comissões de Mediação de Conflito (CMCs), espaços coletivos de diálogo formalizados na Rede Municipal de Ensino de São Paulo desde 2015. Compostas em cada unidade escolar por membros da equipe gestora, de apoio, docentes, estudantes e responsáveis, as comissões têm se destacado no momento atual de re-aprendizado da convivência. As experiências vivenciadas nas escolas vêm mostrando quão transformadora é a prática da expressão e da escuta, se estendida igualmente a cada sujeito da comunidade. Muitas vezes, o diálogo aberto vale mais do que qualquer ação para a promoção e o fortalecimento de relações pautadas pelo respeito.

Temos falado muito sobre a função social da escola desde que o tema ganhou novos contornos, nos períodos mais dramáticos da pandemia. Atualmente, diante da realidade de aumento da insegurança alimentar e desigualdades, as unidades escolares seguem com papel relevante na rede de apoio a crianças, adolescentes e suas famílias. Além disso, ressaltamos sua importância quanto à possibilidade de oferecer experiências de diálogo e respeito, mesmo numa sociedade pautada pela intolerância. 

A escola é o local onde há acesso à linguagem, à arte, ao lúdico, ao conhecimento. É o local onde cada estudante pode se ver desprendido de seus papéis pré-estabelecidos pela família ou pela sociedade. É o ambiente em que diferentes ideias são organizadas. Tudo isso faz parte também de sua função. Por mais difícil e desafiadora que seja a reconstrução da rotina coletiva, precisamos confiar no valor insubstituível da convivência escolar. Convidamos todas as comunidades escolares a se unir por meio de políticas públicas e práticas que mantenham a escola como espaço do diálogo.

Equipe de Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog

1 comentário

  1. Jaqueline lima em 7 de outubro de 2022 às 12:12

    ótimo material e muito importante para se contextualizar nas escolas.

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