3º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos aborda realidade das unidades educacionais no retorno ao presencial
15 de junho de 2022
Por: Gabriela Teixeira
O Instituto Vladimir Herzog (IVH) e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME) realizaram nesta segunda-feira (13), no Theatro Municipal, o 3º Grande Encontro das Comissões de Mediação de Conflitos da Cidade de São Paulo. Reunindo educadores da Rede Municipal da Educação, o evento proporcionou reflexões e trocas de experiências sobre práticas que envolvem a valorização dos Direitos Humanos e a mediação de conflitos.
Após apresentação musical das Damas do Samba, o 3º Grande Encontro foi aberto pelas falas de Bruno Lopes Correa, secretário adjunto de Educação, Rogério Sottili, diretor-executivo do IVH, e Roseli Marcelli, coordenadora da Coordenadoria dos Centros Educacionais Unificados (COCEU). ”Apostar na Educação é uma forma de revolucionar essa cultura impregnada de violência”, declarou Sottili, ressaltando o momento crítico que vivemos atualmente.
Na sequência, Hamilton Harley, coordenador da área de Educação em Direitos Humanos do IVH, e Rogério Gonçalves, diretor da Divisão de Gestão Democrática e Programas Intersecretariais da SME, discursaram sobre a importância da parceria entre a Secretaria e o Instituto. “A parceria só tem resultados porque conta com a participação de todos nós que estamos empenhados na construção de uma sociedade mais justa”, disse Harley.
A coletividade contra o individualismo
O destaque do encontro foi a mesa redonda sobre a cultura de Educação em Direitos Humanos no ambiente escolar e os desafios da nova realidade das Unidades Educacionais no retorno ao presencial após o período mais agudo da pandemia de Covid-19. Mediada por Crislei Custódio, coordenadora pedagógica dos projetos educacionais do IVH, a mesa contou com a participação de Marian Ávila, professora do departamento de Educação da Unifesp, e José Sérgio Fonseca, professor da Faculdade de Educação da USP.
A respeito da problemática da violência nas escolas, Ávila chamou atenção para o risco de atribuir culpa a elementos isolados quando ela é causada por uma série de fatores, entre os quais a pandemia é apenas mais um. Em entrevista ao Respeitar, a professora apontou que a violência que acontece nas escolas pode ser entendida como um desafio educacional e pedagógico: “Isso significa tentar encará-la não do ponto de vista policial, jurídico ou patológico, mas do ponto de vista escolar. Então, em vez de esperar que ela aconteça, que tenhamos propostas preventivas e não paliativas”.
Segundo ela, também não se pode desconsiderar que o mundo por si próprio está mais violento e que as escolas são permeáveis ao que acontece na sociedade. “Temos ensinado as novas gerações que é cada um por si e, muitas vezes, as próprias escolas passam essa mensagem. Falamos para os educadores fazerem tudo junto, mas muitas das determinações institucionais são individualistas. É preciso que nos alinhemos às forças culturais que se contrapõem a esse individualismo, fazer um pacto pelo coletivo.”
Em sua fala, o professor José Sérgio Fonseca também destacou a importância de buscar a causa de problemas escolares na estrutura e não no indivíduo. E que, embora os conflitos estejam impregnados na experiência escolar, eles podem sim ser espaços de crescimento se mediados pela palavra. “O conflito é constitutivo dos agrupamentos humanos. O sonho de uma sociedade sem conflitos é o sonho do totalitarismo. A grande questão é como tratar o que é inevitável”.
Fonseca frisou ainda que é fundamental resgatar o que chama de “escolaridade da escola”. A expressão faz referência ao modo como a formação educativa oferecida pelas escolas distingue-se dos outros tipos de educação existentes nas sociedades, como o da convivência cotidiana, por exemplo. “A escola tem um propósito muito claro enquanto instituição. Ela representa uma suspensão da luta pela sobrevivência e sua progressiva universalização sinaliza que toda e qualquer criança tem direito a um tempo livre das demandas do mundo para se formar”, explicou ele ao Respeitar.
A manutenção da escolaridade da escola, portanto, pressupõe uma certa autonomia de funcionamento com princípios e regras que não necessariamente são aqueles dominantes na sociedade. “Isso quer dizer que o espaço será caracterizado, por exemplo, pelo predomínio do discurso da palavra e não pela violência. A escola precisa se afirmar como um lugar onde, a despeito da violência social, prevalece a conversa e o conhecimento.”
Na prática
Instituídas na Rede Municipal de Ensino em 2016, as Comissões de Mediação de Conflitos (CMCs) surgiram a partir de uma demanda dos educadores sobre como lidar com as situações de conflito que fazem parte do cotidiano das unidades educacionais. Atualmente, elas são compostas pela equipe gestora, equipe de apoio, professoras e professores, estudantes e seus familiares ou responsáveis.
“Todos eles pertencem a essa importante instância de participação e estão ali para auxiliar e, inclusive, mostrar aos demais colegas como que os conflitos podem ser mediados tendo em vista o diálogo horizontal, da co responsabilidade, respeito e empatia”, explica Taíze Grotto, responsável pelo Eixo de Educação em Direitos Humanos, Convivência e Mediação de Conflitos, da Coordenadoria dos CEUs – COCEU/SME, salientando que é importante que toda a escola, para além dos membros da Comissão, tenha esses princípios e se reconheça como mediadora.
Concomitantemente à criação das CMCs, nasceu a parceria entre a SME e o IVH que, através do projeto Respeitar é Preciso!, oferece formações para subsidiar e fortalecer as ações das comissões. “Elas promovem reflexões sobre as questões da Educação e dos valores dos Direitos Humanos e a necessidade de tratar dos valores desses direitos no cotidiano escolar. Nosso foco de atenção é o que na escola favorece ou não a relação de respeito entre as pessoas”, diz Neide Nogueira, coordenadora educacional do Respeitar.
Para Silvia Motta, professora do projeto de apoio pedagógico e integrante da CMC da EMEF Maria Helena Faria Lima, o retorno ao ensino presencial foi marcado por uma notável diminuição da empatia e respeito entre os alunos. “Crianças que eram colegas desde o 1º ano estavam perdendo totalmente o respeito entre si e qualquer coisa levava a xingamentos, palavras feias. Então esse foi nosso maior desafio. Por isso que a Comissão passou a fazer parte do nosso projeto político pedagógico.”
Ela relata que, além de reuniões mensais com outros professores e pais, a EMEF também tem trabalhado com os alunos projetos sobre bullying, racismo e outros tipos de discriminação. “Para nós, a mediação está relacionada à cultura da paz. Queremos preparar os estudantes para o mundo desde pequenos. Para que, lá na frente, eles tenham um olhar diferenciado para respeitar o outro independente de sua etnia, religião, sexualidade.”
“Para a escola formar um sujeito em sua integralidade, é preciso ir além dos componentes curriculares como português e matemática”, diz Taize Grotto. “É necessário trabalhar a prevenção à violência e isso só é possível quando se desconstrói preconceitos. Por isso os princípios das Comissões têm relação estreita com a Educação em Direitos Humanos.
Neide Nogueira completa: “Não é um trabalho fácil transformar a estrutura do sistema educacional. Temos muito que avançar sim, é um processo gradativo. Mas já existe um movimento para essa mudança.”