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Educação Popular e EDH: Conhecer, participar, lutar e aprender

18 de maio de 2023

Por Cláudia C. Soares*

Sabemos que a educação pode acontecer em qualquer lugar e de muitas formas. Ela pode acontecer de forma sistemática, como nas escolas, onde ocorre a educação formal; pode buscar a transformação da realidade através da educação não-formal, como nos movimentos sociais; e pode ocorrer de forma espontânea ou informal, como em praças, igrejas, nas rodas de amigos. Seja como for, sempre estamos aprendendo. 

Quando falamos sobre Educação Popular (EP), automaticamente nos lembramos de Paulo Freire que, em suas obras, descreve a educação popular como uma educação crítica, libertadora e que traz em si uma formação ética e política. Podemos dizer, nesse sentido, que ela também é uma educação para a cidadania, uma educação que estimula a participação, o movimento, e que está pautada por princípios de liberdade, de igualdade e equidade da e na diversidade.

Autores como Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Maria da Glória Gohn e Vanilda Paiva, entre outros, descrevem como a EP se tornou uma prática social que ganha força a partir da década de 70, principalmente no período da ditadura militar. Vários grupos de assessorias (advocacias, igrejas, universidades) se juntam aos movimentos populares e isso continua nos anos seguintes, entrando na década de 80 com ainda mais força. 

Essa união proporciona experiências de aprendizagem para ambas as partes. A academia, por exemplo, ganha a oportunidade de atuar em determinados territórios, e os movimentos populares, em contrapartida, podem entrar nas universidades. Na prática, há a elaboração de diversos materiais em conjunto, mobilizando os interesses coletivos e, assim, surgem cartilhas, manuais, revistas em quadrinhos sobre a importância do direito à terra, ao saneamento básico e à educação. Nesse período, surge também o movimento das mães crecheiras, momento importante para a luta das mulheres. 

Esses movimentos populares, advindos de uma educação popular, marcam a luta por direitos, pautando aos governos da época quais políticas públicas são dignas e importantes para a maioria da população. Portanto, essas produções conjuntas tinham como objetivo evidenciar os direitos que toda pessoa tem, mas que, na falta e ausência do Estado, ficam latentes.

Queremos refletir, dessa maneira, sobre o ponto em que a educação se mostra como uma ferramenta importante no exercício e na busca de direitos, conforme está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Constituição Federal e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, isto é, que todo o ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, o que inclui alimentação, vestuário, habitação, educação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis, como o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos. 

Podemos trazer como exemplo para nossa discussão o surgimento do bairro de Heliópolis, em São Paulo, na década de 1970, área para onde os primeiros moradores são remanejados por ação do Estado (prefeitura) com a promessa de que haveria a construção de habitações populares. Entretanto, essas só vieram 20 anos depois. Enquanto isso, os moradores foram sobrevivendo e se organizando. Como viver em um lugar sem saneamento básico, sem creches, sem infraestrutura alguma?

Essa história é marcada por diversas ocorrências, muitas vezes violentas, envolvendo grileiros e invasores, mas também é marcada por lutas, mutirões e conquistas, como a instalação dos primeiros acessos à água, à energia elétrica, às creches e à posse da terra. Para que isso se tornasse realidade, a organização comunitária foi necessária.

Essa história é marcada por diversas ocorrências, muitas vezes violentas, envolvendo grileiros e invasores, mas também é marcada por lutas, mutirões e conquistas, como a instalação dos primeiros acessos à água, à energia elétrica, às creches e à posse da terra. Para que isso se tornasse realidade, a organização comunitária foi necessária. Assim, surgiram diversos núcleos de moradores, que, depois, se unem para formar a União de Núcleos e Associação de Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), fundada em 1978.

Nos 44 anos que se passaram desde a fundação da UNAS, as lideranças lutaram e ainda lutam, empenhadas em continuar o legado de Paulo Freire, realizando marchas, se apropriando dos diálogos, articulando assembleias com moradores, mostrando à comunidade a importância do envolvimento para combater as situações de desigualdade social. Lideranças constituídas majoritariamente por mulheres, que perceberam que a educação é transformadora e, além de um direito, é também um meio indispensável para o acesso a outros direitos, por meio da construção de uma cidadania ativa e democrática que possibilite a participação de todas, todos e todes.

Ainda em processo, os movimentos sociais ali presentes compreendem que ninguém nasce sabendo participar, mas que, com a observação e a experiência, é possível adquirir novos conhecimentos. E, a partir do Movimento de Moradia, novos movimentos que reconhecem a educação como transformadora começam a surgir, conforme as demandas da população: Movimento de Mulheres, Movimento Fé e Política, Movimento Negro, Movimento LGBTQIAP+, Movimento de Juventudes… Todos eles desejam que Heliópolis se transforme em um Bairro Educador e formador de novas lideranças; desejam, também, que tudo passe pela educação e que, através da cooperação e da solidariedade, todas, todos e todes possam trabalhar para uma vida digna a todos os seres, que possam viver em uma sociedade mais justa e igualitária capaz de fomentar a liberdade, a justiça, a igualdade, a equidade, a solidariedade, a cooperação, o respeito e a paz.

Desse modo, a Educação em Direitos Humanos não se restringe apenas ao aspecto cognitivo, mas tem um sentido, é vivencial, experimental, participa do âmbito social, ético e político, e, assim, promove a inserção dos Direitos Humanos a partir de conteúdos advindos da realidade, das formas de vida e aprendizagens de cada grupo, de cada um. Em suma, a educação popular em direitos humanos derruba os muros mentais e qualifica a participação das pessoas, sendo capaz de transformar diversas realidades.

Referências bibliográficas


UNAS – União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região. Disponível em: https://www.unas.org.br. Acesso em: 27 mar. 2023.

SOARES, Cláudia Cruz. O bairro educador de Heliópolis. In: SINGER, Helena. Territórios educativos: Experiências em diálogo com o bairro-escola. São Paulo: Moderna, 2015.

*Cláudia C. Soares é pedagoga, mestre na área de paisagem e ambiente. Atua como coordenadora de projetos do Instituto Terroá e formadora do Instituto Vladimir Herzog no projeto Respeitar é Preciso!.

2 comentários

  1. Tânia de Lima em 13 de junho de 2023 às 12:12

    A importância da conscientização dessa educação com o poder transformador do indivíduo, fazendo- o ser atuante. Essa atuação o dignifica e reverbera em todos a sua volta.

  2. Tânia de Lima em 26 de junho de 2023 às 07:42

    A importância da conscientização dessa educação com o poder transformador do indivíduo, fazendo o ser atuante. Essa atuação o dignifica e reverbera em todos a sua volta.

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