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Como a Educação em Direitos Humanos favorece a convivência escolar? Conheça experiências

“A mediação de conflitos não é sobre apagar incêndios, mas sim uma questão de processo.”

A frase da doutora em Educação Daniele Kowalewski, durante a 4º Edição dos Seminários Regionais das Comissões de Mediação de Conflitos, sintetiza parte importante dos relatos de experiência apresentados por educadoras e educadores da Rede Municipal de Educação de São Paulo, mediados por ela no evento integrador. 

Ao longo de cinco dias, entre 21 e 28 de agosto de 2023, os Seminários foram realizados em diferentes regiões da cidade como parte do projeto Respeitar é Preciso!, uma parceria entre Secretaria Municipal de Educação e Instituto Vladimir Herzog. Os encontros são voltados para as Comissões de Mediação de Conflitos (CMC) presentes nas Diretorias Regionais de Educação e em cada Unidade Educacional da rede. Essas comissões são compostas por pessoas da própria comunidade escolar: professores/as, diretores/as, funcionários/as, familiares de estudantes.

A cada dia dos Seminários, três relatos de práticas de Educação em Direitos Humanos foram apresentados por membros das comissões para seus pares, cada um desses relatos vindos de um segmento diferente da Rede Municipal de Educação: Centro de Educação Infantil (CEI), Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI) e Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF). Assim, os aprendizados sobre EDH podem ser construídos coletivamente, a partir das práticas. 

Daniele Kowalewski mediou relatos de experiência (Foto: Débora Neves)

Para Daniele Kowalewski, as experiências apresentadas evidenciam pontos importantes da Educação em Direitos Humanos (EDH), por não se tratarem de experiências de transmissão de conhecimentos, e sim práticas que possibilitam vivências em valores de forma permanente e global nas unidades, voltadas para uma mudança cultural, promovendo respeito mútuo, diálogo, escuta e valorização da diversidade.

Foi muito destacada pelos/as educadores/as a importância destas práticas para lidar com dificuldades de convívio no período de retorno 100% presencial após a pandemia de coronavírus.

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Escuta e acolhimento em todas as idades

Acolhimento foi um tema central nas apresentações, identificado como elemento especialmente importante após a pandemia de coronavírus e retomada 100% presencial, momento em que maior insegurança e maior agressividade foram notadas nas Unidades Educacionais, segundo os/as educadores/as. 

Associado à escuta, o acolhimento aparece como uma prioridade desde berçário, em que a educadora Giani Gomes Ribeiro relata atividades de contato próximo com as famílias e cuidados a respeito das especificidades dos bebês na CEI Padre Manoel da Nóbrega, até experiências de EJA, como no CIEJA Itaquera, onde as realidades e histórias de estudantes têm centralidade no desenvolvimento das atividades no ambiente escolar, como rodas de conversa e articulações com rede do território para garantia de direitos.

“É preciso olhar para a história e as potencialidades de cada estudante antes de chegar até aqui”, destacou a coordenadora-geral do CIEJA Itaquera Daniela dos Santos.

Coordenadora-geral e estudantes do CIEJA Itaquera (Foto: Alice Vergueiro)
Giani Ribeiro, do CEI Padre Manoel da Nóbrega (Foto: Alice Vergueiro)

Construir a convivência com respeito

No retorno presencial, em muitas unidades foi observada maior dificuldade para convivência, o que aconteceu também na educação infantil. A professora Lilian Pires compartilhou um relato inspirador com crianças do CEI Maria Margarida Rodrigues de Oliveira, desenvolvido por ela em parceria com a CMC: crianças passaram a ser incentivadas a demonstrar emoções e sentimentos em pequenas “assembleias” por meio de emojis, linguagem familiar a elas. 

Nas rodas, elas falam como se sentem em relação a situações. Assim, também trabalhamos respeito e empatia. Em março, foi preciso fazer rodas constantemente. Hoje, são necessárias menos ‘assembleias’ porque as crianças já têm conversado mais entre si”, contou a professora.

Professora mostra emojis usados no CEI Maria Margarida Rodrigues de Oliveira

Mais participação, mais envolvimento nas atividades da escola

Na EMEF Cel PM José Hermínio Rodrigues, o recreio foi identificado como principal momento de brigas, violências, desentendimentos e acidentes na retomada 100% presencial. Assembleias com adultos da escola e depois com estudantes foram primordiais para desenvolver um projeto, chamado Recreio Guiado, com a participação ativa deles. Neste projeto, adolescentes do ensino fundamental II se dedicam, no seu contraturno, à criação de atividades com estudantes do ensino fundamental I. 

Segundo a diretora Alessandra Rabelo, mais do que diminuir as situações de brigas, a ação vem integrando estudantes, melhorando a atenção deles em sala, favorecendo condições de ensino e de aprendizagem e estimulando maior participação, pois jovens envolvidos com as atividades passaram a se interessar e se engajar também em outras instâncias de participação da escola, como Grêmio Estudantil e Conselho de Escola.

Na EMEF Padre Gregório Westrupp, diversas ações foram desenvolvidas ao longo de 2022 com participação, a partir de escuta de alunos, alunas e equipes, que demonstraram preocupação com sua saúde emocional e cuidados de higiene. A Comissão de Mediação de Conflitos da escola se aproximou da Rede de Proteção do território e realizou campanhas junto à UBS e CAPS, mobilizando estudantes e o cotidiano escolar com atividades e conversas sobre lavagem das mãos, pobreza menstrual, cuidados com piolho, saúde bucal. Além disso, foi desenvolvida uma campanha contra humilhação, pois havia sido identificado um caso de discriminação associado à higiene de uma aluna. A campanha contou com oficinas estimulando expressão e integração de estudantes, como grupo de teatro, “sussuros poéticos” e roda de capoeira com rede de escuta.

Na visão do professor e membro da CMC Wendel Camargo Mendes, essas atividades apoiaram uma compreensão sobre corpo e território: “Percebemos a importância do aluno se reconhecer no espaço”. Ele observa, hoje, alunos mais envolvidos nas atividades da escola, dentro e fora da sala de aula, menos brigas e uma maior sensação de pertencimento. Os números de permanência na escola aumentaram. “Não é só a Comissão, toda a escola pode agir e ser mediadora de conflitos”, conclui.

Relato de experiência na EMEF Padre Gregório Westrupp

Escutar também as crianças

Importante destacar o potencial da mediação de conflitos e Educação em Direitos Humanos para todas as faixas etárias, incluindo escolas de ensino infantil. As professoras Thaise Andrade da Silva e Ana Paula Araújo relataram experiência na EMEI Fernando Camargo Soares a partir da leitura do livro “Se criança governasse o mundo”, de Marcelo Xavier. As equipes e as crianças se inspiraram para desenvolver um projeto de participação em que pequenos e pequenas puderam imaginar possibilidades para a escola e participar efetivamente, ampliando o pertencimento ao ambiente escolar no difícil retorno presencial pós-pandemia. 

As atividades influenciaram mudanças e melhorias na unidade, como tanque de areia, parque interativo, alimentação saudável, prática de leitura e de mediação. No processo, foram criadas versões infantis para avaliação da escola, Indicadores de Qualidade e assembleias. “Acredito que, quando tomamos as crianças como sujeitos de direito, elas vão crescer com o aprendizado sobre reivindicar para garantir direitos”, observou Thaise.

Um processo permanente

Além da diversidade de contextos escolares, os seminários trouxeram relatos de experiências recentes e outras com início mais antigo, como o relato apresentado pela supervisora Angélica da Hora, que já atua com mediação de conflitos há 10 anos na EMEF General Osório. Segundo Angélica, ao longo do tempo a equipe foi percebendo a importância da mediação de conflitos constante e processual para melhorar as relações da escola, economizando o tempo e a energia que eram gastos antes com conflitos cotidianos:

“Tomamos a decisão de nos dedicar aos estudos, conversas e ações da mediação e, assim, evitar gastar tempo apagando incêndio dos conflitos que emergiam a toda hora”

Nesses exercícios, ela conta que houveram diversos aprendizados, alguns deles até incômodos. Por exemplo, o grupo de educadores/as percebeu como ações de adultos da escola também são geradoras de conflitos. Seguiram estudando e cada vez mais ouvindo a comunidade, estudantes e famílias, adequando regras e atividades à realidade e demandas. “Aprendemos a refletir sobre a trajetória de estudantes fora da escola para compreender situações que emergiam dentro da escola. Aprendemos a falar das ações e não dos indivíduos”, relembra a supervisora. 

Assim, passaram a desenvolver atividades e projetos relacionados a questões latentes nos conflitos, como gênero, misoginia, questões étnico-raciais: “Aconteciam muitas brigas entre meninas. Então parávamos para ouvi-las e nos dávamos conta de que não estávamos falando com elas sobre sororidade, sobre misoginia. Hoje, entendo que projetos são oportunidade ímpar de vivência para estudantes se expressarem”

Por Natália Pesciotta

Supervisora atua com mediação de conflitos há 10 anos na EMEF General Osório

Todas as experiências apresentadas na 4° Edição dos Seminários Regionais das CMCs

21/08/2023 | CEU Cidade Dutra

Projeto: Como me sinto?
Lilian Ferreira Pires, professora de Educação Infantil
CEI Maria Margarida Rodrigues de Oliveira (DRE Santo Amaro)

Projeto: Mediação de conflitos e práticas restaurativas na escola com foco em Direitos Humanos
Fagna Barbosa da Silva, diretora
EMEI Canal do Cocaia (DRE Capela do Socorro)

Projeto: Mediação de Conflitos, uma experiência
Angélica Viana da Hora, supervisora
EMEF General Osório (DRE Ipiranga)

22/08/2023 | CEU Parque do Carmo

Projeto: Quem acolhe ou é acolhido? Afetividade no Berçário I
Giani Gomes Ribeiro, professora de Educação Infantil
CEI Padre Manoel da Nóbrega (DRE Penha)

Projeto: Rodas de conversa “Vivenciando a escola inclusiva”
Cinthia Bettoi Pais, professora
EMEI Prof. Eldy Poly Bifone (DRE Penha)

Projeto: Educação em Direito Humanos
Daniela Lourenço dos Santos, coordenadora-geral
CIEJA Itaquera (DRE Itaquera)

24/08/2023 | CEU Freguesia

Projeto: Desafios da CMC no CEI
Cristiano Ap. Araújo Cruz, diretor
CEI Soledad Barret Viedma (DRE Pirituba Jaraguá)

Projeto: Mediação de conflitos e Direitos Humanos na escola (Se as crianças governassem a escola…)
Thaise Andrade da Silva e Ana Paula Araújo, professoras 
EMEI Fernando Camargo Soares (DRE Jaçanã Tremembé)

Projeto: Atuação da Comissão de Mediação de Conflitos (Recreio Dirigido)
Alessandra Rabelo, diretora
EMEF Cel PM José Hermínio Rodrigues (DRE Freguesia Brasilândia)


25/08/2023 | CEU Paraisópolis 

Projeto: Uma experiência formativa à luz da EDH
Mariana Lopez Expósito, professora de Educação Infantil
CEI Jardim São Luiz II (DRE Campo Limpo)

Projeto: Mediação de conflitos: Uma prática cotidiana, baseada no respeito mútuo
Silvia Celeste de Jesus, assistente de diretor
CEMEI Jardim das Palmas (Campo Limpo)

Projeto: Entre a dor e a beleza – A potência dos círculos de construção de paz nos percursos educativos
Alessandra Machado, diretora, e Samuel Pereira
EMEF Theodomiro Dias (DRE Butantã)

28/08/2023 | CEU Parque Veredas

Projeto – Conhecendo nosso lugar de fala
Rita de Cassia Araujo, diretora
CEI Vila Curuçá II (DRE São Miguel Paulista)

Projeto: Reconhecimento das identidades
Elis Regina Correas Garcia, diretora
EMEIHelena Lopes Santana da Silva (DRE Guaianases)

Projeto: Mapeamento e práticas de Educação em Direitos Humanos
Wendel Camargo Mendes, professor
EMEF Padre Gregório Westrupp (DRE São Miguel Paulista)

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