Jornalista e educomunicador Bruno Ferreira durante a aula de Educação Midiática
Foto: Bianca Moreira/ EDH

Bruno Ferreira: “Educação midiática pode contribuir para a cultura de paz na escola e na sociedade”

7 de agosto de 2024

Por Mariana Marques

O consultor e pesquisador em educomunicação Bruno Ferreira reflete a respeito da importância das competências midiáticas serem atreladas às práticas educativas

.

Com a evolução das tecnologias da informação, os espaços midiáticos estão cada vez mais integrados ao cotidiano das pessoas, sendo um aspecto importante da vida em sociedade. No entanto, em muitos casos as crianças e adolescentes acessam essas tecnologias sem orientação. As instituições escolares também são atravessadas por esses novos componentes tecnológicos da sociedade contemporânea, e por isso são aliadas importantes ao processo de educação midiática. 

Durante o mês de abril de 2024, o projeto Respeitar é Preciso!, do Instituto Vladimir Herzog, promoveu uma ação formativa voltada para educadoras e educadores da Rede Municipal de São Paulo. O tema educação midiática foi abordado pelo consultor e pesquisador em educomunicação Bruno Ferreira na aula inaugural do curso “Educação em Direitos Humanos: Interfaces entre educação e sociedade”. Os conteúdos trabalhados na aula foram formulados a partir dos desafios enfrentados no dia a dia dos profissionais da educação diante do rápido avanço das tecnologias digitais.

Educadoras durante a aula de Educação Midiática. Foto: Bianca Moreira/ IVH

A educação midiática contribui fundamentalmente para que crianças e adolescentes ajam com responsabilidade nos manejos dessas tecnologias, se tornando capazes de entender melhor a complexidade das tecnologias midiáticas e como elas impactam a sociedade contemporânea. Além disso, os alunos criam o repertório necessário para se autoexpressar por meio dessas mídias de forma ética e empática.

Bruno Ferreira é mestre em ciências da comunicação e doutorando em educação. Ele é coordenador pedagógico do programa de educação midiática Educamídia, focado na capacitação de professores e organizações de ensino. Ferreira acredita que através da educação midiática também é possível construir um ambiente escolar menos violento e com maior respeito à diversidade, uma vez que é estabelecido um ambiente permanente de diálogo entre toda a comunidade escolar. Segundo Ferreira: “A escola precisa se abrir para a intenção de mobilizar habilidades midiáticas informacionais”.

Leia a entrevista completa a seguir:

.

Respeitar! — A necessidade da educação midiática não é nova, tendo em vista que já é citada no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em 2003, há mais de 20 anos. Mas podemos dizer que é cada vez mais atual e urgente? Por quê?

Bruno Ferreira — Sempre se falou na importância de atrelar a o conhecimento sobre comunicação nas práticas educativas. Hoje em dia é ainda mais urgente pelo rápido avanço das tecnologias digitais. A gente tem esse cenário ainda mais complexificado por conta da inteligência artificial. A sociedade não está apenas na posição de receptora de conteúdos midiáticos, mas, pelas plataformas digitais, também é produtora de conteúdos e disseminadora de informações. Como tal, é fundamental refletir sobre as nossas responsabilidades sobre aquilo que determina os critérios em passar adiante uma informação. A educação midiática contribui fundamentalmente para que a gente aja com mais criticidade e responsabilidade nos manejos dessas tecnologias.

Respeitar! — Considera que seja possível ou mesmo desejável separar o espaço escolar de espaços midiáticos, por exemplo proibindo o uso de celulares no espaço escolar? Existe uma oposição entre educação e comunicação?

Bruno Ferreira — Muitas pessoas profissionais de educação têm receio de trabalhar com mídias na escola por inúmeras razões, muitas delas louváveis, por exemplo a exposição de estudante na rede social. Mas as mídias fazem parte da forma como a gente se relaciona hoje em dia e várias atividades do cotidiano já contam com mídias, com aplicativos, com tecnologias digitais.

Como as mídias exercem um papel central na sociedade contemporânea, nesse sentido a escola precisa se abrir para essa discussão, porque isso já permeia fortemente a cultura

Não é possível apartá-las do universo educacional. O que a gente precisa fazer é realmente fortalecer as práticas educativas para que a educação olhe para essas questões com a importância que isso exerce na na sociedade hoje em dia. Como as mídias exercem um papel central na sociedade contemporânea, nesse sentido a escola precisa se abrir para essa discussão, trazendo sim tecnologias, inclusive o celular, não para usar de qualquer maneira ou o tempo inteiro, mas também ajudando o estudante a entender os prós e contras do uso do celular. A gente precisa discutir mídias, acesso à informação, qualidade da informação, fazer uma análise crítica da mídia. A gente precisa abrir essa discussão, porque isso já permeia fortemente a cultura.

Respeitar! — Com os espaços midiáticos cada vez mais integrados à vida cotidiana, como é possível fomentar no cotidiano escolar boas práticas nas relações com as mídias?

Bruno Ferreira — As mídias precisam ser trazidas pra sala de aula com uma intencionalidade específica. Não só como um recurso que vai apoiar o entendimento de um tema curricular de uma das disciplinas. É também trazer a mídia para sala de aula para pensar sobre a mídia, seja na minha condição de receptor de conteúdos midiáticos, seja na condição que eu tenho de ser autor de produtos midiáticos.

A escola precisa se abrir para a intenção de mobilizar habilidades midiáticas informacionais, como analisar conteúdos de mídia, identificando o propósito, a intenção, a autoria, as técnicas empregadas, o efeito

A escola precisa se abrir para a intenção de mobilizar habilidades midiáticas informacionais, como analisar conteúdos de mídia, identificando o propósito, a intenção, a autoria, as técnicas empregadas, o efeito. Analisar critérios na elaboração de um conteúdo de mídia. Decodificar a mídia em sala de aula pode ser um um meio de aprofundar um tema específico do currículo, mas se o professor também alarga essa essa capacidade crítica, para que o estudante pense sobre a mensagem midiática, isso também é importante. Não só em língua portuguesa, mas em todas as disciplinas é possível trazer a mídia não só como recurso, mas sobretudo pra gente desenvolver habilidades midiáticas e informacionais.

Respeitar! Tudo isso vale também para educação infantil? Existe educação midiática na primeira infância?

Bruno Ferreira — É muito possível fazer educação midiática na educação infantil. A gente pode pensar que livros infantis são mídias. Professores podem, por exemplo, fazer a análise com as crianças de capas de livros infantis, tentando decodificar que mensagem elas traduzem, observar pessoas de diferentes cores, etnias, idades, diversidade de composições familiares. Lidar com essa diversidade, observar a representatividades leva a criança a desenvolver valores sociais voltados ao respeito à diversidade. Essa intencionalidade específica da abordagem é que vai fazer com que a prática de educação midiática se estabeleça. O professor precisa enxergar essa oportunidade no recurso, seja ele digital ou não, e, a partir desse recurso, estabelecer um processo com perguntas que vão levando os estudantes a pensar.

Respeitar! — Quais são as capacidades desenvolvidas a partir da educação midiática? Como elas se relacionam com uma formação de sujeitos para a cidadania?

Bruno Ferreira — A educação midiática se compromete com algumas competências. Uma delas é a leitura crítica da mídia, que contempla o letramento informacional, ou seja, a necessidade de saber buscar, selecionar, verificar informações, e contempla também uma análise crítica dos conteúdos midiáticos, que diz respeito a saber diferenciar os diferentes gêneros, os propósitos e intencionalidades que permeiam os diversos gêneros.

A gente quer qualificar o sujeito para que possa ler mensagens de mídia de uma maneira mais crítica e também entender as mídias como um instrumento para participar de forma positiva da sociedade

A outra habilidade é a da autoexpressão, ou seja, o cidadão se ver como um sujeito que não apenas recebe conteúdos prontos da mídia, mas também tem a possibilidade de produzir conteúdos midiáticos, sobretudo nas plataformas digitais, e como pode produzir conteúdos que sejam relevantes, que sejam respeitosos, que não firam a dignidade de ninguém. Então é qualificar a liberdade de expressão do sujeito diante dessas novas tecnologias e ferramentas digitais.

Jornalista e educomunicador Bruno Ferreira ensinado como avaliar uma informação durante a aula de Educação Midiática.
Foto: Bianca Moreira/ IVH

Qualificar a participação plena do sujeito na sociedade é importante para entendermos as mídias não só para entretenimento ou para interação interpessoal, mas também como espaço para promover mensagens que possam servir para outras pessoas, para educar, informar e mobilizar pessoas em torno de assuntos relevantes para uma comunidade. 

Acho que tudo isso fala muito sobre cidadania. Porque a gente quer qualificar o sujeito para que possa ler mensagens de mídia de uma maneira mais crítica e também entender as mídias como um instrumento para participar de forma positiva da sociedade, contribuindo com o bem-estar das outras pessoas, entendendo os limites que envolvem a sua liberdade de expressão – que não é nem deve ser plena numa sociedade civilizada.

Respeitar! — Nos espaços midiáticos, muitas vezes jovens podem propagar ou ser vítimas de mensagens discriminatórias, difamatórias, o que motivou a recente Lei do Cyberbullying. Como a educação midiática pode contribuir para o enfrentamento à propagação de discriminação e discursos de ódio ou mesmo à cooptação de jovens pela extrema direita?

Bruno Ferreira — As práticas de educação midiática podem contribuir para fomentar a cultura de paz na escola e na sociedade como um todo, ao meu ver. Primeiro porque promove processos educativos que permitem que estudantes possam reconhecer e combater mensagens discriminatórias de ódio, entendendo que uma sociedade civilizada deve se opor a esse tipo de mensagem.

Na perspectiva da educomunicação, quando as escolas estabelecem espaços permanentes de diálogo e de autoexpressão, os estudantes sentem que podem se colocar como sujeitos. Podem manifestar seus desejos, angústias, preocupações. Se a escola promove processos comunicativos, seja no âmbito do grêmio estudantil, em que estudantes dialogam sobre problemas e tentam encontrar soluções, seja no âmbito de qualquer disciplina, em que alunos refletem sobre problemas sociais, comunitários e os impactos dele em seu dia a dia, a escola então abre espaços para que o aluno se coloque nessas questões.

Na perspectiva da educomunicação, quando as escolas estabelecem espaços permanentes de diálogo e de autoexpressão, os estudantes sentem que podem se colocar como sujeitos. Podem manifestar seus desejos, angústias e preocupações

A escola é também um espaço de acolhimento das subjetividades do sujeito e isso talvez possa contribuir para mitigar situações de violência em que a gente sabe que muitas escolas ainda são espaços autoritários, de imposição de conteúdos, de imposição de um saber em que o estudante tem pouca possibilidade de se colocar, colocar seu repertório, seus gostos angústias. Se a escola abre mais espaços de diálogo, permitindo que os alunos se coloquem, a gente também vai estar contribuindo para reduzir casos de violência.

Respeitar! — Educadores/as não são comunicadores/as, no sentido de não terem essa formação nem, muito menos, essa função específica como parte de suas atividades. Como podem, então, contribuir para a educação midiática nas práticas cotidianas do ambiente escolar com foco, de fato, na função educativa que exercem?

Bruno Ferreira — A comunicação e a cultura digital são novos saberes curriculares, determinados pela BNCC, que os coloca como competências gerais e, portanto, transdisciplinares. Ou seja, são competências que podem ser desenvolvidas ao longo de toda a trajetória acadêmica da educação básica. No entanto, não temos uma carreira específica de comunicação que forma professores para lidar diretamente com isso porque não temos nas redes de ensino disciplinas específicas de comunicação de mídia.

Mais do que dominar o tema da comunicação, é importante que os professores proponham a discussão sobre isso em sala de aula. Para que, em comunhão com os estudantes, todos possam se qualificar mais, aprender mais e se letrar mais midiaticamente

O professor é um sujeito que também está imerso na cultura digital como cidadão. Existem hoje em dia iniciativas crescentes de formação de professores no âmbito da educação midiática, então mais professores têm a oportunidade de se desenvolverem a partir dessas formações.

Mais do que dominar o tema da comunicação, da cultura digital enquanto um saber disciplina, é importante que os professores proponham a discussão sobre isso em sala de aula, ainda que não tenha segurança sobre esse repertório. Ainda que não tenham respostas prontas sobre essas perguntas, o que propõem é abrir espaço para reflexão. Para que, em comunhão com estudantes, como diria Paulo Freire, nesse processo de também se dispor a aprender com o aluno, todos possam se qualificar mais, aprender mais e se letrar mais midiaticamente e do ponto de vista da cultura digital.

.

Saiba mais:
Educamídia: Educação Midiática

Veja também:
5 exemplos inspiradores de educação midiática na educação básica

Deixe um Comentário