Antonio Candido em 2014 (CEDAC)

Antonio Candido e o direito à literatura

“A literatura como um direito humano” é o mote de exposição que relembra a vida do intelectual

“Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável deste universo, independente da nossa vontade. E durante a vigília, a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito – como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance.

Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito.”

Foi inaugurada no último dia 23/05, no Itaú Cultural, sediado na avenida Paulista, uma exposição temporária em homenagem a um dos mais importantes intelectuais brasileiros, que completaria 100 anos em julho. A Ocupação Antonio Candido exibe centenas de itens dentre manuscritos, esboços, planos de aulas, cartas, fotos e gravações em áudio e vídeo que integraram o acervo pessoal do educador, crítico literário e autor de uma obra que é referência fundamental aos pesquisadores e professores da área de história e literatura do Brasil. Embora renomado pelas densas análises estética e histórica da literatura brasileira (presentes em Formação da literatura brasileira e o decorrente Presença da literatura brasileira), o mote da exposição é seu artigo com o título “O direito à Literatura”.

Antonio Candido (1918-2017) escreveu pouco sobre Direitos Humanos em si, embora tenha sido um intelectual público muito atento e ativo na defesa de causas humanitárias por toda a sua vida. Durante o regime militar, escreveu para veículos de imprensa alternativa como o Opinião e fundou a revista Argumento em 1973, publicação que foi logo interrompida no ano seguinte, devido à ação da censura.

Companheiro de jornada de importantes personagens do processo de abertura política, atuou junto à Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, criada pelo Cardeal Paulo Evaristo Arns. Sobre esta relação com a CJP, seu colega na Universidade de São Paulo, o também crítico literário Alfredo Bosi, testemunhou: “Sem nenhuma crença religiosa, no sentido confessional da expressão, [Candido] considerava, porém, de valia a missão civilizadora das igrejas quando não fanatizadas por princípios fundamentalistas. Assim pôde fazer, como poucos, uma saudável mediação entre crentes e agnósticos, que coincidiam na luta pela liberdade e pela justiça.”

Foi justamente para um dos ciclos de palestras sobre Direitos Humanos que a Comissão Justiça e Paz organizou na Faculdade de Direito da USP, entre abril e maio de 1988 (no contexto nacional da Assembleia Constituinte), que O direito à Literatura foi apresentado. Com a clareza e generosidade que eram marcas do autor, ele argumenta que o sonho, a fruição e a fabulação são uma manifestação literária comum a todas as pessoas, apresentando a importância desta dimensão diante dos Direitos Humanos e das questões sociais de nosso tempo.

A versão impressa apareceu pela primeira vez em 1989, publicada pela CJP e a editora Brasiliense numa coletânea de vários autores (organizada por Antonio Carlos Ribeiro Fester) chamada Direitos Humanos e… Medo, AIDS, Anistia Internacional, Estado, Literatura — edição há muito esgotada. A partir de 1995, foi inserida na terceira edição de Vários Escritos (Ed. Duas Cidades), junto a outros ensaios seus.

Como uma espécie de “viral” antes de a expressão existir, o texto foi republicado inúmeras vezes na internet (às vezes sob outros títulos), circulando em cópias xerox em escolas e universidades.

Perguntada por uma revista sobre o uso de O Direito à literatura como suporte para a atual exposição no Itaú Cultural, a co-curadora Laura Escorel, sua neta, sentenciou: “resume bem o seu pensamento”.

Em 2014, a Comunidade Educativa CEDAC gravou e publicou um breve vídeo onde o professor comentava o já célebre artigo.


1 comentário

  1. Aparecida Alice Gonçalves Simplício Dos Santos em 6 de fevereiro de 2021 às 07:01

    Toda literatura nos torna melhor!

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