Coletânea “Índios do Brasil – Vida, Cultura e Morte” traz 15 artigos inéditos sobre indígenas
17 de junho de 2019
Organizado pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, ao lado de Mirian Silva Rossi, o livro “Índios do Brasil – Vida, Cultura e Morte”, oferece um olhar sobre os 900 mil índios que resistem no Brasil contemporâneo e o sobre a preservação dos povos nativos. São 15 artigos inéditos, resultado do trabalho realizado no Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer), que Carneiro coordena no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Em entrevista ao caderno Aliás, de O Estado de S.Paulo, ela fala sobre a obra. Destacamos alguns pontos:
[Estadão] ‘Índios do Brasil – Vida, Cultura e Morte’ mostra que, atualmente, são 300 povos indígenas em 5 mil tribos no Brasil, com 200 idiomas falados por eles… De que maneira essas culturas deveriam ser melhor protegidas?
[Maria Luiza Tucci Carneiro] Respeitando as garantias da legislação internacional e da Constituição Federal de 1988. Tais direitos fundamentais sobre as diversidades dos modos de existência não surgiram por acaso: decorrem de lutas sociais, como reparações a terríveis violências impostas às populações vulnerabilizadas em certos momentos da história – e para que tais violências nunca mais venham a ocorrer. Mas parece que se tenta apagar o passado para não se enxergar o presente. É preciso olhar com cuidado para que esse passado não se repita nas frágeis estruturas democráticas atuais, pois vivemos uma democracia de “baixísima intensidade”, como comentou o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Precisamos abrir canais para que os povos indígenas possam ser ouvidos ou consultados por projetos de Estado que afetem e garantam sua existência.
[Estadão] Apesar de serem povos diferentes entre si, o tratamento dado aos índios (nas escolas ou nas políticas públicas) geralmente os coloca no mesmo balaio. Isso é correto? Não seria necessário compreender suas especificidades?
[Maria Luiza Tucci Carneiro] Não apenas conhecer as suas especificidades, mas também suas trajetórias e culturas. Necessitamos ampliar os espaços de debate e as rodas de conversas com os povos indígenas, oportunidades únicas para as trocas de experiências. Carecemos de livros didáticos, carecemos de eventos culturais, carecemos de histórias contadas pelos próprios indígenas.
[Estadão] Ao longo da nossa história, como foram as mudanças de paradigma com relação ao índio? Digo: no início, era aquele ingênuo da carta de Pero Vaz, pronto para ser catequizado pelos jesuítas; depois se tornou mão de obra, caçado por bandeirantes; etc.; até chegar ao índio contemporâneo, incorporado ao dia a dia das cidades ou ainda marginalizado em suas aldeias.
[Maria Luiza Tucci Carneiro] Veja bem: dos aproximadamente 5 milhões de indígenas que viviam no Brasil desde o período colonial até o republicano, milhares e milhares de indígenas foram caçados, escravizados, explorados, catequizados e exterminados em diferentes momentos da história do Brasil. Restam apenas cerca de 300 povos indígenas, 900 mil indivíduos, segundo censo do IBGE, vivendo em condições precárias, e principalmente ameaçados por forças anti-indígenas. As violações culturais, espirituais e físicas persistem como um baixo continuum, silenciosa, mas sempre presentes. Cito aqui um trecho da carta aberta divulgada no ato de encerramento do seminário Índios no Brasil em 2015: “Durante a ditadura militar, a violação e a omissão culminaram com a aniquilacão desses povos pela ‘assimilação’ e pelo desprezo aos seus saberes. Muitos destes crimes antecederam a ditadura, desde a decadência do Serviço de Proteção ao Índio e o avanço das frentes de colonização e de expansão do capitalismo que agiam com o apoio do Estado; mas não da forma planejada que aconteceu a partir da Operacão Amazônia (1966), da criação da Funai (1967) e das estratégias geopolíticas de controle do território e das populações. No entanto, os anos de chumbo foram brutais e seus efeitos seguiram violentos durante a ‘transição intransitiva’, cujos conflitos se agravaram pela omissão e não reparação das violências e dos esbulhos. (…) A publicação do relatório da Comissão Nacional da Verdade ao final de 2014 serviu para, ao menos oficialmente, apresentar uma nova dinâmica da violência do Estado durante a ditadura, de forma alguma branda; seja na revisão dos mortos (muito superior ao que se considerava), assim como a especificidade de alguns casos de genocídios.”