8 filmes e séries atuais para refletirmos sobre racismo e negritude neste Novembro Negro
Por Rogê Carnaval*
“O Brasil é um dos países mais racistas em que estive”, afirmou o cineasta Steve McQueen em entrevista ao portal UOL em 2018, na ocasião do lançamento de seu último filme, As viúvas, estrelado por ninguém menos que Viola Davis.
McQueen tem razão, como estamos cansados, cansados mesmo, de saber. Basta uma rápida olhada nos dados estatísticos mais elementares e nas notícias dos jornais para nos depararmos com os efeitos concretos (e nefastos) do racismo no cotidiano brasileiro. Da questão salarial ao sistema prisional, passando pelos assassinatos nas periferias, nosso país silencia de modo perverso e sistemático a negritude, especialmente a juventude negra, e até mesmo as crianças. Impossível, no fechar das cortinas desse difícil ano de 2019, não chorarmos novamente pelas crianças cariocas, todas negras, moradoras de comunidades pobres, e vitimadas por “balas perdidas” disparadas pelas forças de segurança pública que agem sob o comando de um governador que, ele próprio, dispara tiros de fuzil de dentro de um helicóptero, que fala em “atirar na cabecinha” de suspeitos, entre outras atrocidades.
Steve McQueen é, certamente, um jovem diretor que vale a pena conhecer melhor. Depois de dirigir diversos curtas-metragens, estreou em 2008 com seu primeiro longa, Hunger (Fome, no Brasil), mas foi em 2013 que o cineasta britânico McQueen (não confundir com o homônimo lendário ator de Hollywood, falecido em 1980!) conquistou os mais importantes prêmios do cinema mundial, incluindo o Oscar de melhor filme, com o contundente 12 year a slave (12 anos de escravidão, no Brasil).
O roteiro do filme é assinado por John Ridley, que se baseou na autobiografia de Solomon Northup, escrita em 1851, e narra a história de um homem negro nascido livre no estado de Nova Iorque, e que depois é sequestrado, vendido como escravo e mantido como cativo por 12 anos nas plantações do estado da Louisiana.
O filme foi também uma forma do mundo conhecer melhor a brilhante atriz queniano-mexicana Lupita Nyong’o, que emocionou a todos no papel de Patsey, vítima de abusos terríveis ao longo da trama.
Lupita Nyong’o nos brindou com seu talento também no filme Black Panther (Pantera Negra no Brasil), de 2018. O diretor Ryan Coogler levou à tela grande, pela primeira vez, a história do personagem homônimo que faz parte do panteão de heróis dos Estúdios Marvel, do universo dos quadrinhos.
O filme superou todas as expectativas da crítica e do público, tendo arrecadado mais de 1 bilhão e 340 milhões de dólares desde sua estreia, além de conseguir feito inédito: um filme sobre super-herói indicado ao Oscar de melhor filme, além de mais seis indicações. Acabou não levando a estatueta de melhor filme (Green Book venceu), mas foi reconhecido o pela Academia como a melhor trilha sonora do Oscar 2019: uma obra prima assinada por Ludwig Göransson, um promissor compositor sueco de trilhas sonoras para a sétima arte.
E por falar em Oscar 2019, Green Book e BlacKkKlansman, que concorreram com Black Panther pela estatueta de melhor filme, são imperdíveis também.
Green Book (Green book: o guia no Brasil), o vencedor da estatueta, se passa nos anos 1960, nos Estados Unidos. Um período, marcado pela segregação institucional em diversos estados norte-americanos. O título do filme faz referência a uma espécie de guia turístico escrito por Victor Hugo Green e publicado entre as décadas de 1930 e 1960, The Negro Motorist Green Book (ou simplesmente Green Book), cujo objetivo era informar, ano a ano, os restaurantes e pousadas onde o tratamento dispensado aos negros era menos hostil.
Já BlacKkKlansman (Infiltrado na Klan, no Brasil) tem a marca inconfundível de um dos mais brilhantes diretores de cinema de todos os tempos: Spike Lee, que assina também o roteiro e a produção desse instigante filme. Roteiro esse que é a adaptação de um livro autobiográfico, Black Klansman, escrito por Ron Stallworth, um ex-policial que se infiltra na KKK (Ku Klux Klan, a famosa associação de supremacia branca do sul dos EUA, uma região especialmente racista, segregacionista e violenta em relação aos negros) no estado do Colorado, nos anos 1970, com o objetivo de expor as atrocidades praticadas pelos racistas.
Mahershala Ali, que interpreta Don Shirley, o brilhante pianista de jazz clássico de Green Book, é também o protagonista de outra recente obra cinematográfica absolutamente tocante e imprescindível: Moonlight (Moonlight: sob a luz do luar, no Brasil). Indicado em 8 categorias no Oscar 2017, levou a estatueta de melhor filme e Mahershala Ali faturou o prêmio de melhor ator. O talentoso diretor e roteirista Barry Jenkins construiu, segundo o crítico especializado Marcelo Hessel, do site omelete, um filme raro, capaz de unir dois extremos: o cinema mais eminentemente comercial, “narrativo” por assim dizer (bem ao gosto do Oscar), e o cinema mais “contemplativo”, portanto não tão comercial, mais ao gosto dos festivais de cinema.
Algumas novidades no streaming
Há algum tempo, o streaming vem tomando um espaço até aqui exclusivo do cinema. Recentemente, discussões acaloradas ocorreram entre cineastas, relacionadas justamente à explosão dos serviços on demand, o chamado streaming, como é o caso da gigante do setor Netflix, e de uma série de outras plataformas que vêm surgindo nesse mercado em expansão: a nacional Globoplay, do Grupo Globo, e recentemente plataformas estrangeiras como a AmazonPrime e AppleTV.
Afinal, filmes que não estreiam na tela grande, que estreiam somente nessas plataformas, são ou não são cinema propriamente? No recente lançamento de Roma, do competente cineasta mexicano Alfonso Cuarón, essa discussão voltou à tona. E por ora, ao que parece, o streaming vem conseguindo se firmar como produtora de filmes de grande relevância, feitos por grandes cineastas, em um claro sinal de rápidas mudanças rápidas nessa área.
Mas é preciso reconhecer que esses serviços, pelo menos até aqui, conseguiram fisgar a maior parte do público que paga pelas assinaturas, por meio da nababesca quantidade de séries e seriados oferecidas em seus cardápios. “Maratonar”, há pouco, virou sinônimo de assistir, de uma só vez, a todos os episódios de uma temporada (ou mais de uma) das séries do momento. No Brasil, a Netflix é a plataforma que atua há mais tempo e a que mais assinantes têm. E recentemente começou a investir na produção de séries nacionais com a grife Netflix, em parceria com produtoras de conteúdo audiovisual daqui do Brasil. O resultado tem sido bom, e séries bastante interessantes foram lançadas recentemente. Destaque para duas delas: Sintonia e Irmandade.
Sintonia é composta por 6 episódios de aproximadamente 40 minutos de duração cada um. Produzida por Kondzilla, o maior produtor de funk e também o maior canal do YouTube brasileiro, em sociedade com a Losbragas, a série narra a vida de três amigos de infância que chegam aos 18 anos com perspectivas bem diferentes para suas vidas, em uma quebrada da periferia de São Paulo. Doni é um talentoso compositor de funk que vê sua música explodir em sucesso, mas na voz de uma esperta funkeira que gravou sua música à sua revelia, e precisa correr atrás de ser reconhecido como o compositor do sucesso; Nando se destaca cada vez mais como gerente da boca de fumo, e isso o coloca em situações bastante difíceis de administrar, como é de se esperar; Já Cacau acaba enveredando pela vida religiosa, buscando conforto para suas agruras em uma igreja evangélica da comunidade onde os três amigos cresceram.
Irmandade estreou recentemente, tendo Seu Jorge à frente do elenco de talentosos atores e atrizes. A série procura retratar com crueza o perverso sistema prisional brasileiro que culminou no surgimento da irmandade, nome fictício da facção criminosa que controla o crime organizado paulista dentro e fora dos presídios, atualmente, inclusive, dominando o crime organizado em outras regiões do Brasil e até em países vizinhos. A produção é toda feita em parceria com a consagrada O2, que assinou filmes importantes como Cidade de Deus, do consagrado diretor Fernando Meirelles. São 8 episódios que variam de cerca de 50 minutos a 1 hora, aproximadamente.
Ambas ainda estão na 1ª temporada, mas dado o sucesso de público e crítica de ambas, existe uma boa possibilidade de novas temporadas serem produzidas. O público certamente as prestigiaria.
* Rogê Carnaval é historiador, professor do ensino fundamental e formador do projeto Respeitar é Preciso!