Literaturas, juventudes e EDH: Escrever para acordar
16 de maio de 2023
Para a parcela da juventude negra e pobre, à qual um dia pertenceu Carolina Maria de Jesus, o Brasil oferta as piores condições sociais. Porém, essa mesma juventude tem tomado para si a escrita como ferramenta de emancipação para contar uma nova história
Por Igor Gomes*
“Eu vejo na TV o que eles falam sobre o jovem não é sério
O jovem no Brasil nunca é levado a sério”
(Negra Li & Charlie Brown Jr.)
Plural é, talvez, a melhor palavra para definir o que queremos dizer quando optamos por falar em juventudes ao invés de juventude, no singular. Pensar nessa categoria, definida pelas Nações Unidas como “faixa etária que abrange pessoas entre os 15 e os 24 anos de idade“, e que o Estatuto da Juventude (lei brasileira de número 12.852) define como faixa etária que vai dos 15 aos 29 anos, é pensar em pluralidade.
Diante dessa pluralidade que compõe a faixa etária entendida como juventude em nosso país, há um projeto econômico, social, racial e político voltado para o apagamento e o extermínio de uma parte dessa juventude. É desse lugar que esse texto surge e é desse lugar que nasce a literatura sobre a qual conversaremos e refletiremos, relacionando-a a uma Educação em Direitos Humanos.
“Tenha fé
Porque até no lixão nasce flor.”
(Racionais MC’s)
A literatura é essa forma de arte que tem a palavra como ferramenta. Apesar de a palavra – em sua diversidade – ser uma ferramenta compartilhada por nós, seres humanos (e aqui é importante salientar que a mesma é utilizada por surdos e ouvintes), a literatura foi associada durante muito tempo a uma arte ligada à elite e à classe média branca de nosso país. O próprio ensino de literatura nas escolas foi, durante muito tempo, e ainda é, em determinadas realidades, não o ensino da literatura enquanto ferramenta artística, mas da história da literatura produzida, em geral, por homens brancos.
A introdução ao estudo da obra de Carolina Maria de Jesus, por exemplo, escritora negra nascida em Minas Gerais, é muito recente, porém, a luta por sua visibilidade já a faz ser citada até mesmo em vestibulares. Por isso, é importante lembrar que é para essa parcela da juventude, negra e pobre, à qual um dia pertenceu Carolina Maria de Jesus, que o Brasil oferta as piores condições sociais e para a qual o Estado se apresenta através do seu braço armado. Porém, essa mesma juventude tem tomado para si a escrita como ferramenta de emancipação para contar uma nova história. Escritoras e escritores como Luz Ribeiro, Midria, APÊAGÁ, Lucas Afonso, Kenyt, Larissa Cordeiro, Kimani, Sabrina Martina, Naia Curumim¹ e tantos outros, outras e outres espalhados pelo país, têm organizado em suas comunidades os chamados SLAMs – batalhas de poesia autoral que ocorrem em praças, bibliotecas, escolas e bares².
“E nem precisa aplaudir porque isso aqui é só o nosso ensaio”
(Igor Chico, autor desse texto, no poema “Pantera Negra”)
A chamada literatura periférica, assim nomeada para demarcar o território no qual é produzida e que está próxima e, às vezes, se mistura com as literaturas negras, femininas, indígenas e LGBTQIAP+, tem crescido e ganhado espaço na mídia, nos espaços das medidas socioeducativas, nos presídios, nos materiais didáticos e nas escolas, se tornando uma forma de garantir voz, vez e lugar. Esse movimento ressignifica não só a literatura, mas, assim como a cultura Hip Hop e o Movimento Funk, vem transformando a própria educação e se tornando uma importante ferramenta para jovens, adolescentes e crianças que começam a se enxergar como poetas e escritores(as), organizando batalhas de poesia em suas escolas e percebendo que, nesses espaços, podem elaborar conflitos, denunciar as violências sofridas dentro e fora dos muros da escola e propor saídas coletivas para as questões que os afligem.
Esse movimento ressignifica não só a literatura, mas, assim como a cultura Hip Hop e o Movimento Funk, vem transformando a própria educação e se tornando uma importante ferramenta para jovens, adolescentes e crianças que começam a se enxergar como poetas e escritores(as)
Falar sobre uma Educação em Direitos Humanos é também falar sobre o direito à vida e à voz dessas juventudes. O protagonismo que a literatura vem promovendo nos aponta um horizonte para as transformações necessárias para a garantia de direitos que ainda se apresentam como privilégios. Vozes se levantam, ecoando a fala da importantíssima escritora Conceição Evaristo, que nos diz muito a respeito da importância dessas mesmas vozes para a transformação e para a promoção de uma Educação em Direitos Humanos:“Quando estou escrevendo e quando outras mulheres negras estão escrevendo, me vem à memória a função que as mulheres africanas – dentro das casas-grandes, escravizadas – tinham de contar histórias para adormecer a casa-grande. Eram histórias para adormecer. Nossos textos tentam borrar essa imagem. Nós não escrevemos para adormecer os da casa-grande, pelo contrário, é para acordá-los dos seus sonos injustos.”
¹ Para conhecer mais, procure pelo nome dos(as/es) artistas no YouTube e/ou Instagram, ou procure por “Slam” no YouTube.
² Para saber mais sobre slam, confira este link e este link.
*Igor Gomes é formado em História pela Universidade de São Paulo (USP) e atua como formador no projeto Respeitar é Preciso!, do Instituto Vladimir Herzog. Arte-educador, poeta e escritor, faz parte do movimento de literatura periférica em São Paulo, sendo um dos organizadores do Slam do Pico. É autor do livro de poesias “Dom Quixote Pixaim”.
Ter a literatura como aliada no processo de aprendizagem é muito significativo.
Diante desse processo ter referências próximas e/ou da própria comunidade faz muito sentido e cresce o interesse para se fazer pertencer.
Aguardo retorno!