Abertura da 3º Edição dos Seminários Regionais debateu escuta e acolhimento no ambiente escolar
14 de setembro de 2022
“A comunicação não-violenta precisa fazer parte do nosso dia a dia. Falar de mediação de conflitos é falar de nossos alunos, que merecem respeito e merecem ser escutados. Na situação em que nos encontramos hoje, o ato de ouvir o outro devolve a dignidade de uma pessoa”.
Foi assim que Roseli Marcelli, coordenadora dos Centros Educacionais Unificados e da Educação Integral (COCEUs) da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME), abriu a 3ª Edição dos Seminários Regionais das Comissões de Mediação de Conflitos.
Realizado no dia 06 de setembro, no Memorial da América Latina, o evento marcou o início do ciclo de encontros que acontecerão ao longo do mês com o objetivo de reunir experiências das Unidades Educacionais através da troca mediada por profissionais e incentivo de ações do projeto Respeitar É Preciso!, realizado pelo Instituto Vladimir Herzog em parceria com a SME. Além das palestras com especialistas, a abertura também contou com apresentações culturais do Ballet Paraisópolis e da cantora Luciana Mello.
Na sequência da fala de Roseli, o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili, também chamou atenção para o atual momento enfrentado pela sociedade brasileira e o quão fundamental é a Educação em Direitos Humanos (EDH) como instrumento de combate à crescente violência:
“Apesar de estarmos vivendo um dos piores momentos da vida política do nosso país, acreditamos que a educação liberta e que ela nos ajudará a passar por esse momento. Por isso, estamos aqui celebrando o compromisso de educadores e educadoras com uma educação libertadora, que constrói um país que tem na democracia e no respeito ao próximo seus valores máximos”, disse.
Já Rogério Gonçalves da Silva, diretor da Divisão de Gestão Democrática e Programas Intersecretariais da SME, destacou que o trabalho de EDH e a mediação de conflitos precisam ser realizados coletivamente. “A Educação em Direitos Humanos se faz no dia a dia e isso ultrapassa os limites do ensino teórico. Nosso compromisso é transformar a sociedade e possibilitar novos caminhos para os estudantes.”
O olhar para as múltiplas relações do ambiente escolar
Após as falas de abertura e agradecimentos, foi iniciada a mesa redonda “Escuta e acolhimento na perspectiva da educação em direitos humanos: considerações a partir das ideias de sujeito de direito, marcadores sociais da diferença e território”.
Com mediação de Crislei Custódio, coordenadora educacional da área de Educação em Direitos Humanos do IVH, a mesa foi composta por Alexandre Barbosa Pereira, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Luciana Alves, pedagoga e doutoranda em educação na Universidade de Campinas (Unicamp).
Partindo de sua experiência enquanto professor e pesquisador, Alexandre propôs reflexões sobre a relação entre juventude e educação e o papel dos educadores. Para ele, pensar a educação é pensar em um encontro de gerações. E isso envolve uma constante mediação entre dois mundos: o dos adultos e o dos adolescentes e crianças. Infelizmente, a interação que é fundamental para o trabalho muitas vezes é deixada em segundo plano, especialmente pelas instituições.
Alexandre também falou sobre a importância de políticas de saúde mental nas escolas e o equívoco que é individualizar questões que são coletivas.
“Se não lidamos bem com as questões sociais em toda a sua complexidade, não há como dar conta das dimensões socioemocionais dos estudantes ou nossas”.
E qual seria o papel do professor, segundo ele? “Principalmente estabelecer a mediação dos estudantes com o conhecimento e promover as interações geracionais. E também garantir acolhimento e zelar pelos processos de escuta, mas sem incorrer na ilusão de que se pode salvar os estudantes ou a situação educacional do país. Nosso trabalho é muito importante e faz a diferença quando bem-feito, mas não somos heróis.”
Também falando sobre o risco do heroísmo, Luciana apontou como ele cria a falsa ideia de que as relações de opressão não existem no ambiente escolar. “Reproduzimos a opressão o tempo todo. A diferença está em reconhecer os momentos em que isso ocorre ou silenciar atrás de uma cortina de bondade quase angelical”.
Equívocos também podem ocorrer durante o ensino de valores a partir de uma ótica moralista.
“Quando eu ensinava valores, a régua era eu mesma. Só depois percebi que valor tem cor, gênero, classe social, território, regionalidade… Enfim, o que a gente chama de valor na verdade é a visão de mundo de uma pequena parcela da sociedade”, explicou a pedagoga.
Em vez disso, Luciana sugere ampliar o debate sobre direitos humanos e mediação a partir das relações que se estabelecem no cotidiano escolar. Relações que, segundo ela, embora sejam objetos de aprendizagem, não são objeto de ensino. “Traduzindo: não vou ensinar ao aluno quando ele tem que dizer ‘Obrigado’. É na troca com pessoas que dizem ‘Obrigado’ que ele vai aprender”.
Soma-se a essa perspectiva, a importância de olhar também as relações com o conteúdo e com os objetos de aprendizagem. Só a partir do compromisso com essa tríade é que se pode alcançar um ambiente comprometido com a ética e os direitos humanos. “Do contrário, temos de novo um processo de alijamento de direitos. Nesse caso, o direito de aprender”, finalizou.
O evento foi encerrado por um show de samba da cantora Luciana Mello, mas a 3ª Edição dos Seminários Regionais das Comissões de Mediação de Conflitos está apenas começando. A partir do dia 19 de setembro, acontecerão mais cinco encontros descentralizados em diferentes territórios de São Paulo. A programação completa está disponível no site da Secretaria Municipal de Educação.