Professores contam como é ser LGBT na escola onde trabalham em matéria do UOL
13 de setembro de 2019
Matéria publicada pelo Universa UOL em 31/07/19
por Giovanna Maradei
Colaboração com Universa
– Professora, quem é ela?
– Ela é a Bia.
– Professora, a Bia é sua namorada?
– É… sim, é sim.
O diálogo acima ocorreu em uma feira de ciências aberta ao público, com trabalhos de diversos alunos de uma escola particular de São Paulo, incluindo os da professora Daniela Bueno. Na conversa, ela acabou revelando ser lésbica. A menina, de 8 anos, foi a única a fazer uma pergunta da qual a professora não teve como escapar, de tão objetiva. Após satisfazer sua curiosidade, professora e aluna seguiram seus caminhos e nunca mais voltaram ao assunto. Pais e as escolas, contudo, nem sempre lidam com tanta naturalidade quando o tema é orientação sexual e identidade de gênero.
Marcelo Gerace, hoje com 38 anos, é professor desde os 19 e lembra que, na segunda escola em que lecionou, chegou a ouvir da coordenadora que ela gostava muito dele, mas que o havia contratado porque não sabia que ele era gay. “Ela me disse que em outro colégio precisou demitir um professor por causa disso. Para a escola, era mais importante manter 10 alunos matriculados, os filhos dos pais que estavam se queixando, do que manter um professor”, contou a Universa.
“Na escola, ou a gente se forma, ou a gente se forma. Não é possível dizer que isso não é do seu tempo. O gestor precisa eliminar devagar o seu preconceito. Você tem que aceitar que isso entrou na escola. O pai gay, a mãe lésbica, o professor LGBT. E você não pode fingir que não existe”, afirma Neide Noffs, professora do Departamento de Formação Docente, Gestão e Tecnologias da PUC-SP.
A homossexualidade na escola
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, revela que 32% dos homossexuais sofrem preconceito dentro das salas de aula e que, de forma geral, os educadores não sabem reagir apropriadamente diante das agressões no ambiente escolar. Dados da Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil mostram que cerca de 73% dos estudantes que se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são agredidos verbalmente, e 36% são agredidos fisicamente nas escolas.
Desde 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais tratam da necessidade da educação sexual, o que inclui, entre outros debates, discussões sobre orientação sexual e identidade de gênero em sala de aula. A ideia é que os temas sejam abordados de forma transversal, em diversas disciplinas durante a educação básica, sempre de forma adequada ao período de desenvolvimento e à idade dos alunos.
Mais recentemente, no entanto, termos como gênero e orientação sexual foram suprimidos da Base Nacional Comum Curricular e diversos projetos de lei apresentados nas câmaras legislativas e no Congresso têm como objetivo excluir o tema por completo do universo escolar – em um movimento que vai na contramão da aceitação da diversidade.
Encarando o problema
Daniela Bueno e Marcelo Gerace estão fora do padrão, e entendem que devem ser aceitos pelas suas diferenças. Por isso mesmo, evitam ao máximo mentir sobre sua orientação sexual e estão sempre atentos às oportunidades de colocar o assunto em pauta.
“Na maioria das vezes [a orientação sexual] surge como tabu, com piadinhas lgbtfóbicas do tipo ‘fulana é lésbica’, ‘fulano é namorado de fulano’, ‘fulano é viado'”, conta a professora. “Nestes casos, sempre tento intervir, mas não me colocando no foco. Digo, dependendo da faixa etária, que ninguém namora com ninguém, porque criança não namora. Ou então explico que lésbica, viado, gay etc, não são xingamentos”, explica.
Neide Noffs entende que “o professor gay não deve comunicar sua orientação sexual, a não ser que seja perguntado. Nesse caso, ele deve ser transparente, falar a verdade e logo em seguida comunicar a gestão escolar para que ela esteja preparada caso seja questionada, e também para que juntos eles transformem o tema em conteúdo de sala de aula”.
Já no Ensino Médio, onde Marcelo deu aulas de inglês e artes por vários anos, é possível ir mais fundo e inserir discussões sobre gênero, raça e diversidade em diferentes disciplinas. Esse esforço foi bem visto pela escola, em um primeiro momento, mas gerou conflitos. Diante de comentários preconceituosos postados por outros profissionais da instituição em suas redes sociais, Marcelo protestou e cobrou uma atitude da direção, que não tomou providências. No fim de 2018, Marcelo foi desligado da escola.
O medo de perder o emprego é comum entre os profissionais da comunidade LGBT. Uma sombra que, por vezes, já os fez esconder a homossexualidade e, mesmo hoje, após decidirem que não iriam negar quem são, os fazem agir com cautela. “Eu prefiro ir dizendo assim, nas entrelinhas, aos poucos, para evitar problemas para o meu lado”, conta Daniela Bueno. “Espero um dia não precisar me preocupar, mas até lá, sigo assim.”
Marcelo Gerace também pondera constantemente suas atitudes, mas está decidido a defender a diversidade. “Hoje eu acho muito importante levantar mais a bandeira. Posso me dar mal? Posso. Mas acho que é minha função como educador propor essa observação, esse olhar, essa discussão”, aponta. Uma vez, ao dar aula de artes para crianças mais novas, Gerace fez questão de levar três estojos, um rosa, um da Barbie e um que lembrava o desenho animado Frozen. “Os alunos viram e perguntaram: ‘professor, este estojo é seu?’ Eu disse que sim. Eles questionaram de novo: ‘mesmo?’ E eu aproveitei para levantar a questão: ‘claro, por que não? Só porque é rosa?’.”
Além do medo da reação da diretoria ou dos pais dos alunos, os dois também têm em comum um plano para solucionar o conflito: a própria educação. Problematizar, informar, dialogar são a única saída para acabar com o preconceito. Uma construção que deve ser feita passo a passo, envolvendo pais, professores, gestores escolares e, claro, os alunos.
Nos casos de reclamação, é importante que a escola fique ao lado do professor e explique para as famílias que a orientação sexual não interfere no desempenho dele como docente. “Um médico não é melhor ou pior por ser gay ou lésbica. Com professor e professora é a mesma coisa”, diz Neide.
“Sempre digo que é importante que as crianças saibam e entendam que a sociedade é diversa. É trabalho da educação ensinar sobre respeito. Respeito ao próximo e respeito a si mesmo”, lembra Daniela Bueno. “A gente que é LGBT sabe quão diferente seria a nossa vida e a nossa saúde mental se tivéssemos escutado, desde crianças, que ‘tudo bem ser diferente’, ‘tudo bem gostar de azul sendo menina’, ‘tudo bem ser menina e gostar de outra menina’, ‘tudo bem brincar de boneca e carrinho'”, completa.
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