Projeto “O Migrante Mora em Minha Casa”
4 de dezembro de 2017
O migrante mora em minha casa
Rosely Marchetti Honório
Professora de História da EMEF da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Infante Dom Henrique e autora do Projeto “O Migrante mora em Minha Casa”
“O Migrante Mora em Minha Casa” é um projeto que começou a ser desenvolvido no segundo semestre de 2016 com os estudantes das duas salas de 6.º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Infante Dom Henrique, futura EMEF Escritora Carolina Maria de Jesus, situada no Canindé, na região central de São Paulo. Neste ano, prossegue com os mesmos estudantes, que agora cursam o 7.º ano, e está em andamento com mais duas salas de 6º ano. No momento, os envolvidos são 132 alunos, 64 do 6º ano e 68 do 7º ano.
O bairro do Canindé localiza-se no distrito do Pari, um dos menores da cidade e com um dos maiores números de imigrantes de São Paulo. O Pari é um dos maiores polos da indústria de confecções da cidade e do país e se tornou palco de submissão de imigrantes a condições de trabalho análogas à escravidão em oficinas de costura. Na escola, cerca de 20,5% da comunidade estudantil é composta por imigrantes e descendentes, a maioria de origem boliviana.
A professora de História, então recém-chegada à escola, atentou-se à presença de discursos hostis em sala de aula, principalmente quando conteúdos relacionados à migração e ao trabalho eram tratados. Estudantes imigrantes e descendentes de bolivianos eram, repetidas vezes, alvo de preconceito por meio de falas de “brasileiros”, que atribuíam a eles a responsabilidade pela diminuição das oportunidades de emprego e defendiam as péssimas condições de trabalho às quais são submetidos. A recorrência a manifestações verbais discriminatórias por parte dos alunos e as tentativas frustradas de tratá-las por meio de reflexões coletivas pontuais demonstraram a urgência de um trabalho profundo.
Naquele momento, o professor responsável pela Sala de Informática, que também tem formação em História, realizava um curso de formação oferecido pela ONG Repórter Brasil, o que viabilizou o acesso a materiais didáticos do programa “Escravo nem pensar!”, que busca mobilizar as comunidades para o desenvolvimento de ações de combate ao trabalho escravo. Assim, os dois estabeleceram uma parceria pedagógica e idealizaram o projeto. Em duas aulas semanais, os estudantes foram mergulhados em um processo de sensibilização, de reflexão e de ação movidos por um questionamento: O que a migração tem a ver comigo e com o trabalho escravo?
Brasileiros e estrangeiros, todos têm a migração como tema presente na vida familiar. A maioria tem, também, a precariedade como marca de sua condição e de suas expectativas sociais. O desemprego, a subocupação, a pouca oferta de trabalho, a fome e a exposição à violência afligem a vida de muitos, aumentam a incerteza e declinam as chances de melhoria.
No mundo contemporâneo, intensificam-se ações reacionárias às migrações. Na escola, elas também se fazem presentes. Os “brasileiros” veem os “estrangeiros” como uma ameaça. Desconhecem ou se esquecem de que todos somos migrantes. Da mesma forma, como os estudantes que se consideram brasileiros são segregados por moradores do entorno pelo fato de residirem na área mais desvalorizada do distrito, eles reproduzem o preconceito e a discriminação com os quais são tratados no convívio com os imigrantes bolivianos e descendentes. Seria possível sensibilizá-los e dar um sentido reverso, mais humano, à convivência? Em vezes de erguerem muros, seria possível a solidariedade em defesa do imigrante no combate ao trabalho escravo?
Norteado por esse propósito o projeto foi desenvolvido em três etapas, cada uma com um objetivo específico: na primeira etapa, sensibilizar-se a respeito da migração como tema presente na vida de qualquer pessoa; na segunda etapa, compreender a relação entre a migração e o trabalho escravo contemporâneo; na terceira etapa, valorizar a importância de uma ação local de combate ao trabalho escravo.
As atividades desenvolvidas em cada etapa propuseram a relação da história da vida individual e familiar com a da vida coletiva, bem como a conexão das histórias local, regional, nacional e global, hoje e em outras temporalidades. Cada etapa tratou de um tema específico estabelecendo um relacionamento sequencial entre os conteúdos abordados, de forma a contribuir para que os estudantes questionassem sobre o acolhimento ao imigrante: Sabemos acolhê-lo? Sim ou não? Por quê? Após a realização das atividades, a maioria concluiu que não e expôs a necessidade de tomar alguma atitude para ajudá-lo.
Em roda de conversa, os estudantes elaboraram uma ação coletiva a ser realizada, na região do Pari, com o objetivo de combaterem o trabalho escravo. Assim, produziram um folheto sobre o que aprenderam, a ser distribuído na região. Então, selecionaram e reuniram informações sobre a migração, o trabalho escravo contemporâneo, a importância de combatê-lo e denunciá-lo. O folheto foi confeccionado e distribuído a moradores, empregadores e trabalhadores locais em uma saída em grupo acompanhada pelos professores responsáveis.
O desenvolvimento do projeto contribuiu para a reflexão sobre a importância de um olhar atento sobre as relações interpessoais estabelecidas em sala de aula. E revelou também como o empenho em compreender os atores da realidade local é fundamental para a realização de uma prática de ensino de História que contribua para transformá-los em agentes de mudança social.
Atividade 1 – Desenho intitulado “Uma família”
Atividade 2 – Árvore genealógica
Atividade 3 – Entrevistas
Folheto educativo
Estudo de meio
Confecção Denunciada
Entrega de folheto educativo