crianca de 1 ano e meio andando de mão dadas com a mãe na rua

As crianças e o direito à cidade: vamos falar disso na escola?

* Por Gunga Castro

O mês de fevereiro costuma ser, para as crianças e os jovens, um período muito especial. Logo em seus primeiros dias, o Carnaval já começa a ser anunciado, as festas e folias já são planejadas, as músicas e hits do ano executadas na mídia e cantaroladas pelas pessoas. Rapidamente, a cidade ganha um ar todo especial: um ar de Carnaval. Outro acontecimento importante do mês de fevereiro é a volta às aulas, o início de um novo ano letivo, sempre tão esperado pelas crianças e jovens estudantes.  

Talvez, este seja um dos momentos mais ricos e promissores para abordar junto aos estudantes, um assunto muito importante, que se relaciona e interfere diretamente na vida de cada um deles , que é o direito de cada um, cidadão que é, de usufruir de tudo o que cidade tem e oferece, desde as condições de vida como moradia, mobilidade, saneamento básico, etc. até as manifestações culturais que ocorrem o tempo todo na cidade e se tornam muito visíveis nesta época do ano. Falar do Carnaval, conversar com a turma acerca do que tem visto de diferente na cidade, talvez seja uma boa oportunidade para começar a tratar com todas e todos um tema tão importante.

Desde pequeninas, e mesmo antes de virem ao mundo, as crianças já são, todas elas, Sujeitos de Direito. Na verdade, esta condição não é só garantida pela Declaração Universal do Direitos Humanos, mas minuciosamente explicitada no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), quando trata do Direito à Vida e à Saúde desde o período de gestação.

É possível tratar destes assuntos e levar alunos e alunas de todas as idades a conhecer, viver experiências positivas e exigir seus direitos de cidadãos/munícipes, por meio de ações realizadas dentro da escola? Acreditamos que sim. Mais que possível, é necessário que isso seja feito, se quisermos que todos cresçam capazes de usufruir, lutar, exigir e sustentar cada um destes direitos.

Começando pelos pequeninos e pequeninas: sabemos que, quanto menor é a criança, maior é a necessidade de ensiná-las a partir de práticas e experiências voltadas a ela e com ela compartilhadas. Assim, uma criança pequena aprenderá a respeitar-se como cidadã e valorizar a dignidade que lhe deve ser garantida, se tiver oportunidade de passar por experiências onde isso é posto em prática por quem cuida dela e para ela é referência, como pais, outros adultos responsáveis, professores, etc. Aprenderá que a cidade é de todos, e todos têm o direito de se movimentar pelo seu espaço, na medida em que tiver a oportunidade de fazer isso ao lado de um adulto de sua confiança, e for convidada a olhar ao redor e explorar o espaço com seu pequeno corpo, conhecer as delícias e os perigos de circular por ela. Saberá, com o tempo, do seu direito à educação de qualidade, se puder, desde muito pequena, frequentar uma escola onde possa crescer sendo bem atendida, desenvolvendo-se e aprendendo.

Viver o Carnaval brincando, cantando e dançando dentro e fora da escola, nas ruas da cidade (ainda que seja no colo de seus pais), será uma oportunidade de conhecer este aspecto da cultura da sua cidade, e da cultura própria da sua comunidade, que deve ser sempre respeitada e considerada.

Na medida em que os alunos e alunas avançam na escolaridade, estas situações passam a poder ser abordadas por meio de outros recursos, como as conversas, as leituras, vídeos, saídas de campo, entre outros, mas vale ressaltar aqui que as experiências são sempre muito bem vindas e nunca deixarão de contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento de todos, em qualquer idade e segmento escolar.

Como trabalhar o direito à cidade?
  • Conversar em uma roda de segunda-feira sobre o que fizeram no final de semana, oferecer dicas e sugestões de passeios e programações culturais do território onde vivem, comentar eventos e outros acontecimentos que dizem respeito à cidade e à comunidade onde se encontra a escola, apreciar fotos do território… todas estas são atividades que, quando planejadas (não vale a pena esperar que uma criança traga o assunto à tona), podem desencadear uma onda de interesse muito rica e promissora em uma classe de Educação Infantil.

  • Explorar a reconstituição do percurso que as crianças fazem  para chegar à escola: que tipo de transporte usam? O que lhes chama a atenção no caminho? A rua é esburacada? É difícil atravessar? O ônibus demora muito? Vamos desenhar nossa rua? Quem mora perto de quem?

  • Na fase da escolaridade do Ensino Fundamental, quando as crianças já estão maiores, além dos estudos que constam da grade curricular das diferentes séries, sobretudo nas áreas de Geografia e História, é possível convidar os alunos a pesquisar o entorno da escola e de suas casas, buscando conhecer os equipamentos lá presentes, (como postos de saúde, assistência social, dispositivos de segurança pública, hospitais, escolas, Conselho Tutelar, etc.), planejar discussões em classe, entrevistar familiares e outras personagens do bairro, planejar saídas e passeios, tanto no próprio bairro, quanto em outros, fazer pesquisas dentro e fora da escola, etc.

Estas experiências, com certeza, contribuirão com os alunos, quando maiores, possibilitando que possam pensar e discutir diversos aspectos da cidade e da comunidade onde vivem, compartilhar ideias, sugestões, reivindicações, reconhecer seus direitos, etc.

Não podemos deixar de considerar também o fato de que, ainda que seja fundamental fazer com que a cultura, os hábitos e as manifestações da comunidade a que pertencem sejam sempre considerados e valorizados, é muito importante também trazer e apresentar a todos, elementos e oportunidades que deixem clara a ideia de que a cidade é toda ela, integralmente, de todos, e que o fato de viver em um bairro periférico não é motivo para fazer dele o único espaço de circulação social.

Assim, participar de eventos em bairros da região central da cidade é também direito de todos, assim como frequentar museus, parques, Shopping Centers e outros espaços, muitas vezes considerados exclusivos de uma camada mais privilegiada da população.

Com o tempo, munidos dos conhecimentos construídos a partir destas e outras propostas, e sabedores de seus direitos, é certo que nossos estudantes poderão contar com todas as condições necessárias para lutar por seus direitos, exigir que sejam cumpridos, e contribuir para a construção de uma sociedade cada vez mais justa, respeitosa e digna.

Para recordar

Há alguns anos, o olhar afetuoso de Genifer Gerhardt e de Valentim, seu filho de então 1 ano e 5 meses, viralizou na internet. Este vídeo, tão curto quanto belo, nos mostra um pequeno morador da cidade de Porto Alegre, vivendo a rica experiência de cumprir a pé e com a autonomia possível para uma criança tão pequena, o percurso de sua casa até a casa de sua avó, em plena cidade. 

“Para mim calçada, ferragem, mercadinho e chegou. Para Valentim, pedrinhas, árvores, pedras soltas que toda vez tira e coloca, a buscar encaixe, duas ruas atravessadas, poças d’água, pisoteia, alegra, refresca”, narra Genifer. 

Conheça Tim Tim, um garotinho conhecido e conhecedor de seu pedaço de cidade, a partir de sua perspectiva de visão e da sensível narração de sua mãe! 

Com Valentim!
Gravação e edição: Tiago Expinho.
Texto, narração e toque de sanfona: Genifer Gerhardt.
Música original: Renatinho Muller.                


* Professora polivalente por formação (Normal Superior), foi professora regente de Educação Infantil e Ensino Fundamental 1 em escolas da rede privada de São Paulo, de 1985 a 2007, passando, neste ano, a coordenar o Núcleo de Práticas Inclusivas da Escola da Vila, em São Paulo, até o ano de 2017. Atua também, desde o ano de 2000 até os dias de hoje, como formadora de professores na área de Alfabetização, Língua Portuguesa, Educação Inclusiva e Matemática, em diversos estados do Brasil. Atualmente, presta assessoria na área de Educação Inclusiva em escolas da cidade de São Paulo, compõe a equipe de educadores em Educação em Direitos Humanos do Instituto Vladimir Herzog. É selecionadora da área de educação inclusiva do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita e atua como parceira em diversos projetos do Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida.

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