Quadra de esportes da EMEF Daisy Amadio Fujiwara vista da rua Domingos Rosolia.
Uma conversa com o diretor da EMEF Profª Daisy Amadio Fujiwara

Wellington Deromediz é professor de inglês há mais de vinte anos e diretor de escola desde 2015. Acessou o cargo na EMEF Profª Daisy Amadio Fujiwara no ano passado, onde já tinha atuado como professor. “Poderia ter escolhido outra escola, mas essa foi minha primeira opção. E eu vim para cá por opção, não por demanda, porque eu já conhecia o grupo. Foi pelo fato de ser um grupo que tem um posicionamento, que dá para fazer um trabalho”, ele conta.

Ao assumir a direção, perto do fim do ano letivo de 2017, a nova equipe gestora viu-se diante de uma questão que incomodava parte do corpo docente e dos alunos: a quadra de esportes era cada vez mais frequentada pela comunidade do entorno durante os horários de aula, para os mais diversos usos. O urbanismo do bairro, o projeto arquitetônico da escola e a estrutura dos gradis que a circundam facilitam este acesso. Entre disputa e descaso, as relações travadas naquele espaço ganhavam contornos que já começavam a ser percebidos como violentos, de parte a parte, comprometendo tanto o trabalho com os alunos quanto a vida social da comunidade.

Diante do conflito, a escola não adotou uma postura de confronto. Pelo contrário, foi por meio da empatia e do fortalecimento das instâncias de participação que equipe gestora, professores, pais e alunos se articularam para estudar o problema e propor intervenções diante dele.

Durante um ano, a “questão da quadra” atravessou a produção do projeto político-pedagógico, a atuação do Conselho de Escola, a consolidação da Comissão de Mediação de Conflitos e ainda pôs em ação uma comissão informal que incluiu os moradores da região para participarem das decisões orçamentárias da Unidade. Este processo de mobilização conseguiu revitalizar o espaço, engajar a Unidade Escolar na temática da mediação de conflitos e – principalmente – criar novos vínculos solidários entre a escola e a comunidade.

Wellington compilou os registros de todo este conjunto de ações em torno da questão da quadra de esportes e compôs o projeto “Comunidade e Escola: O Gol é Nosso”, que foi inscrito no 6° prêmio Municipal de Educação em Direitos Humanos. A cerimônia de premiação, no dia 31/10, revelou que a escola ficara em primeiro lugar.

Dias antes, em 24 de outubro, a equipe do portal Respeitar é Preciso! entrevistou Wellington na sala da direção. Durante pouco mais de uma hora, conversamos sobre os aprendizados deste processo e a importância de pensar coletivamente os problemas de convivência que enfrentamos na escola. Leia a seguir.

 

Conte sobre as ações que foram tomadas em relação aos problemas com a quadra: como vocês resolveram um problema por meio dos colegiados da escola?
Ano passado, quando cheguei nesta escola eu trouxe dois vice-diretores para atuar comigo, que são pessoas da minha extrema confiança. Quando nós chegamos aqui, qual era a grande problemática que o grupo de professores e a comunidade nos colocava? A questão da quadra de esportes, que até então era um ambiente com muito conflito. Que tipo de conflito que existia (e ainda existe, mas em menor escala): a própria comunidade acessava a quadra de esportes para poder jogar, enfim, mas dentro dos horários de aula do aluno. Então os professores de educação física não conseguiam fazer uso da quadra porque a comunidade estava fazendo uso naquele momento, ou pela manhã ou pela tarde. Além disso, presenciávamos algumas situações com relação ao uso de entorpecentes na quadra a que as crianças e os professores ficavam expostos. Então no ano passado nós ficamos nesse movimento de entender esse conflito. Porque você ouvir do outro é uma história, mas quando você está nessa situação percebendo com seus olhos você compreende de outra forma.

No final do ano nós sentamos e tomamos uma decisão. 2017 foi o ano de observar e realmente esse conflito na quadra era uma demanda urgente, então a gente precisaria se organizar como equipe gestora para em 2018 dar conta de possíveis soluções. Qual foi o primeiro passo disso tudo? Primeiro, os documentos curriculares da escola. O Projeto Político Pedagógico e o PEA. Tem que estar muito bem definido nestes documentos o que a escola quer – qual a intenção do nosso PPP e do nosso PEA. A questão da quadra de esportes já foi problematizada ali nestes documentos e eles já seriam um indicador, uma meta para nós percorrermos durante o ano.

Esse PPP foi construído coletivamente, todos os professores opinaram. Nas reuniões de pais que nós tivemos no início do ano, os pais colaboraram com essa construção, os alunos também trouxeram opiniões e aí a questão da quadra foi evidenciada como meta para todos. Uma meta comum, porque se o problema não e só meu ele é de todos, então todos tem que agir. Não adianta nada fazer um projeto e colocar o aluno ou a comunidade como “público-alvo”. Então todos foram mobilizados para poder pensar sobre o assunto.

A escola vista de um acesso pela Avenida Gen. Asdrúbal da Cunha.

A escola vista de um acesso pela Avenida Gen. Asdrúbal da Cunha.

Os documentos da escola são importantes nessa mobilização?
Como você vai fazer uma articulação com todo mundo sendo que isso não está ancorado em nada? Então fazer do PPP um produto real é exatamente isso. Tem que estar clara a filosofia da escola. Isso é um compromisso, eu não digo nem do grupo. Aí é uma responsabilidade direta do gestor para que ele implante a filosofia da escola.

A partir do momento em que está clara uma filosofia, está clara uma linha de trabalho. Tudo que está lá tem que estar ancorado nessa linha de trabalho, nessa filosofia. É no PPP que tem que estar evidenciado o que a gente está fazendo.

Depois do PPP nós também escrevemos o PEA, que é o Projeto Especial de Ação. Toda escola faz o Projeto Especial de Ação com uma problemática para dar conta. A nossa foi “mediação de conflitos e o convívio escolar”, justamente para proporcionar momentos de estudo e servir de reflexão para os professores. Porque não adianta só falar “vamos resolver o problema da quadra”. Como? Com que estudo? Qual teórico que vai nos ajudar, qual instituição pode colaborar para fazer com que a gente possa refletir sobre as possíveis mediações? É necessário estudo. É um momento de formação constante.

Na bibliografia do PEA apareceu o material do Instituto Vladimir Herzog, do Respeitar é Preciso!, que foi fundamental, ainda está sendo, para que todo corpo docente e nós da equipe gestora pudéssemos fazer um estudo da concepção dos direitos humanos. Porque se a gente olha para aquela quadra com olhar pobre, a gente só vê um espaço físico ali. Agora se a gente olha para aquela quadra com uma concepção de direitos humanos a gente enxerga que aquela quadra é habitada pela comunidade. E porque ela é habitada? Porque essa comunidade não tem acesso a bens culturais e bens esportivos que são oferecidos pelo poder público. Então a escola está num espaço vulnerável. Então quando a comunidade acessa aquela quadra ela está dizendo “Olha eu quero acessar a quadra para eu fazer esporte. Porque eu preciso fazer esporte e eu quero fazer”.

Então mudou o olhar da escola para isso. Antes era um olhar muito julgador. Era “não pode acessar a quadra porque a quadra é da escola e ponto final”. Agora o nosso diálogo não é esse. O nosso diálogo é “vamos usar a quadra mas vamos negociar esse uso. Vamos criar as nossas regras de convívio para que a comunidade entenda a hora em que pode usar e a hora em que não pode, quais são os benefícios de nós fazermos um uso coletivo”. Tudo isso foi se construindo a partir dos estudos que aconteceram no PEA. E aí realmente o que nós pudemos observar é um resultado muito positivo, porque quando você se coloca numa posição aberta para a comunidade os ganhos são enormes. A escola assim se coloca nesta posição dialógica para encarar este conflito de uma maneira democrática, respeitosa, alicerçada nos direitos humanos. A gente não pode se deixar ter esse olhar cego – eu diria até cego, mesmo – para isso. Você tem que olhar para isso numa perspectiva muito maior. A quadra de esportes não é só um espaço, ela é um direito humano.

Fachada da escola, na Rua Amaralina.

Fachada da escola, na Rua Amaralina.

E a ideia de criar uma comissão só para o problema da quadra?
Essa comissão foi criada em uma reunião em dezembro do ano passado. Nós tivemos dois momentos de avaliação do ano passado. Na avaliação da equipe gestora nós assumimos compromisso para validar isso em 2018. E também ao mesmo tempo foi criada essa comissão encabeçada pela professora Lucinda [Santiago] junto com os pais e os alunos para falar da problemática. Naquela reunião também já estava uma meta assumida da escola, que aquela comissão estava pedindo propostas, estava pedindo ações.

E para você ver: essa foi a comissão que conseguiu a instalação da energia elétrica na quadra. Porque ela não tinha energia, então a comunidade não tinha como usar depois das 18h30. Essa comissão foi lá na diretoria de ensino conversar com o dirigente regional e falar “olha, queremos melhoria na quadra. Precisamos. Tanto para os alunos quanto para comunidade”.

…a comunidade também foi para a DRE?
Sim! Em maio essa comissão foi até a diretoria de ensino e disse “Olha dirigente, olha engenheiro, precisamos revitalizar aquele espaço para atender melhor a nossa comunidade”. Porque eu não consigo fazer essas alterações infra estruturais com verba pública. O que eu recebo não dá conta de fazer toda essa revitalização necessária. Então a partir dessa mobilização que houve foi que a DRE deu o aval. Foi feita a instalação da energia elétrica para a comunidade ter a possibilidade de usar depois das 18h30. E qual foi o acordo que nós já começamos a fazer? A prioridade de uso até 18h30 é do aluno. Depois das 18h30 a comunidade faz uso da quadra à vontade até às 22h e também aos finais de semana.

Depois disso, nós conseguimos através dessa comissão a instalação dos alambrados agora em outubro, para deixar a quadra mais segura e mais acolhedora. E em novembro vamos fazer a pintura da quadra. Tudo isso através do ato de mobilização. E não é somente o diretor, agora é mais forte do que o carimbo de um diretor: é uma comissão formada por diretor, professor, aluno, família. É um peso muito maior.

Então foi fantástico neste sentido. Outro ganho que a gente teve em parceria com a comunidade foi o contato com um morador em especial, o senhor Esmeraldo, que mora no bairro há mais de 40 anos e articula muito projeto social de futebol e demais ações aqui. Ele tem um respeito muito grande pelos moradores. Foi uma parceria muito positiva. Não queremos ficar refém de uma parceria negativa. Ao contrário, você faz a parceria com o morador que tem projeto social. Então ele está muito vinculado com a escola agora no sentido de proporcionar atividades para acontecerem na quadra em conjunto com a comunidade.

O próprio sr. Esmeraldo nos dizia nas reuniões: “olha Wellington, eu vou até ser sincero com você, a gente usava a quadra você sabendo ou não. No final de semana a gente fazia os nossos jogos. Sempre aconteceu. A gente entrava aí na escola, acessava.” Mas agora qual é a diferença? Existe uma conversa. Essa semana o sr. Esmeraldo veio me procurar, inclusive eu estou aguardando ele aqui hoje. Ele falou “eu quero usar a quadra de esportes porque eu tenho um projeto social de futebol e eu quero que os meninos e as meninas da comunidade façam as aulas de esporte com um instrutor que eu tenho, de um projeto social de sexta-feira a partir das 19h e também de final de semana. Posso usar a quadra para fazer este projeto?” Olha o respeito: agora ele pergunta.

Cartaz convocando para a reunião em 22 de agosto.

Cartaz convocando para a reunião em 22 de agosto.

Mas esse movimento de perguntar significa que já existe um posicionamento do diálogo. Ou seja, “eu preciso perguntar, eu preciso dialogar porque essa quadra não é mais só minha. Ela é da escola. Como eu vou poder usar uma coisa que não é só minha? ” Então avançou demais.

No dia 31 de agosto nós fizemos uma reinauguração da quadra, agora com a energia elétrica. Foi ótimo. Nós marcamos das 18h30 até as 22h e foi um momento muito bacana porque houve parceria de todo o território para este evento. Ele foi composto de apresentações de karatê que o senhor Esmeraldo trouxe, o karatê da comunidade. A capoeira e o hip hop, o CEU Uirapuru conseguiu. No fim promovemos um amistoso de futebol entre os dois times aqui do bairro [Bragantino do Arpoador X Gran Gula F.C.]. Ou seja, diversas atividades culminaram no jogo.

Antes disso eles tiveram essas vivências culturais e foi muito bacana, porque até desvinculou aquela imagem de uma quadra somente para esporte, sendo que lá na quadra de esporte aconteceram tantas outras apresentações, apresentações culturais. Então quebra a coisa de que a quadra é só esporte. Ao contrário, lá eu posso ter outras vivências. Todo esse evento foi idealizado a partir da reunião com um morador e a partir da reunião que tivemos aqui na escola, no dia 22 de agosto. Nessa reunião nós sentamos moradores, professores, famílias e alunos para discutir o que nós estávamos fazendo a favor da quadra e o que poderíamos fazer mais à frente. Essa reunião foi bem bacana porque estreitou mais uma vez esse laço que nós estamos fazendo.

Sobre este laço a que você se refere, quais foram as pessoas, além da equipe gestora, mais importantes nesse processo?
Tem a professora Lucinda, que é uma professora atuante na escola há um bom tempo. É uma questão de posicionamento… esse já é o perfil dela, de lutar pelos menos favorecidos. Ela tem um trabalho muito reconhecido pela comunidade, ela trabalha com as crianças com deficiência. Então isso já diz muito dela.

Além dela o senhor Esmeraldo, que esteve conosco. E também o professor Ricardo [Cerqueira] que é o professor de Educação Física, que vive mais de perto essa problemática, que acessa muito mais a quadra. Então ele entende mais do que nós sobre esse problema. Acredito que os demais moradores aqui também puderam contribuir porque eles veem os conflitos acontecendo. Todos foram importantes ali.

É bacana comentar também que nessa escola não tinha grêmio estudantil. Foi uma demanda que recebemos em 2017, quando chegamos. Em 2018 colocamos como meta. O processo de eleição aconteceu em setembro. E aí, mais uma vez, qual foi uma das propostas que a chapa vencedora apresentou? A parceria com a comunidade e a melhoria da quadra. O próprio grêmio também incorporou isso como uma necessidade e também quis fazer isso junto com a escola. Então são diversas mãos e um mesmo direcionamento.

Não houve nenhuma resistência ou crítica dentro da comunidade escolar?
São conflitos que foram inevitáveis, porque para alguns essa situação da quadra de esportes não era vista como necessária. “Se eu não uso a quadra, para mim é uma problemática? ” Não é, mas aquele servidor está dentro de um ambiente coletivo, e se conflito para ele não existe para os demais existe. Aqui fica a questão coletiva a ser incorporada. Até mesmo na negociação do conflito, para entender que esse conflito é para todos e não para alguns. Então essas exigências apareceram no sentido de falar: será que vai valer a pena o esforço? Será que vale se debruçar tanto assim? Não é mais fácil a gente mandar fazer muro e pronto, fechar tudo? Não é mais fácil chamar a GCM e botar todo mundo para fora?

Justamente. Por que não?
Eu acredito que isso seja muito mais uma questão de posicionamento político. A democracia é um ato político, e para você mediar estes conflitos com essa problemática é a partir da coletividade, para você dar a responsabilidade para todos. A partir do momento em que você fala “comunidade, use a quadra, pois este espaço também é seu”, você está dividindo o espaço com a comunidade. Então possivelmente eles vão cuidar. Agora, se você fala “comunidade, não usem a quadra” vai acontecer o contrário, aí que eles vão realmente criar outras estratégias para invadir esta quadra, e não ocupar. Porque são coisas muito diferentes: eles têm que ocupar a quadra, e não invadir. Esta ocupação tem que ser dialógica com a escola.

Essa é a diferença: é o posicionamento, é o olhar que você tem para esse conflito. Quando você tem uma visão democrática sobre o conflito você consegue responsabilizar e assim você sai da esfera do julgamento. Porque é muito fácil você falar “nossa, esse problema da quadra…o que é possível fazer? ”. Ora, é possível fazer a partir do momento que você olha quem usa aquela quadra e porque está sendo usada. Tem um sentido ali, tem uma representação. É muito mais do que um espaço físico, desconectado do nada. Esse espaço físico está vinculado a um contexto social, a um contexto cultural, a uma situação inclusive do nosso país, no qual a comunidade está dizendo: “essa quadra é minha porque eu não tenho outro espaço aqui no bairro para jogar”.

Panorâmica da rua Domingos Rosolia.

Panorâmica da rua Domingos Rosolia.

Da criação da Comissão para o encaminhamento do problema passou-se quase um ano. Como você responderia se dissessem que demorou muito, que foi tempo demais para encaminhar uma solução?
Primeiro a gente tem que compreender que as coisas dentro da escola acontecem dentro de uma construção. Existe uma cultura escolar que vai sendo criada diariamente. Então se aconteceu uma reunião em dezembro, ótimo, isso já foi um posicionamento. Mas a partir disso é que as coisas estão se desencadeando. Porque isso está sendo construído com a comunidade. Eu posso dizer para você que hoje os problemas na quadra diminuíram muito. Muito. E até mesmo em uma situação ou outra, quando alguém tenta usar a quadra no período de aula, uma coisa que já foi negociada, nós vamos até lá e falamos “olha, isso não foi o acordado, então venham depois das 18h30 que estará reservada para vocês”. Então a comunidade entende e já resolve. Diminuiu muito.

Mas agora tem um outro movimento que a gente percebeu e que a gente tem que agir sobre também. A comunidade fazendo uso do espaço durante horário de aula diminuiu muito. Agora são os nossos próprios alunos que usam a quadra para cabular aula. Quando o professor vai até a quadra quem ele encontra agora? Alguns alunos que estão cabulando! Eles também têm sede do esporte, sede de praticar estas atividades, mas precisam compreender que têm que estudar e praticar esportes na hora correta. Mas, assim, o que nós não podemos perder é a referência do trabalho.

Como eu falei, é uma questão da cultura escolar que é criada: se há conflito a gente dá conta assim. Esta cultura escolar vai sendo feita dia a dia. Se a escola se põe numa posição fechada os relacionamentos não nascem, não se consolidam. Se a escola se põe numa posição dialógica os relacionamentos crescem.

O que recomenda aos gestores que estejam com problemas ligados ao espaço/território?
O que posso dizer aos colegas e gestores que talvez estejam vivenciando o mesmo problema que eu… Claro que cada escola tem sua comunidade, seu perfil, enfim: é um organismo vivo que está ali. Mas o que eu posso dizer é que a gente só consegue dar conta do conflito, ainda mais envolvendo um espaço da escola, a partir do momento em que você tem um olhar diferenciado para esse conflito. Como você enxerga? Você estudou? Você identificou quem são os sujeitos que estão nesse conflito e por que eles estão nesse conflito? Qual é a justificativa para isso?

Retomo o que falei antes: um olhar pobre vai olhar para aquela quadra de esporte e vai dizer “quadra de esporte sendo usada em horário inapropriado e de maneira inapropriada, ponto final”. Um olhar mais refinado, mais contextualizado e mais democrático vai olhar para aquela quadra e vai pensar: “quem invade aquela quadra? Por que invade? Quais são as demandas que existem ali e quais são as relações que existem com aquela quadra de esporte? Como nós podemos fazer dessa invasão um lugar de ocupação?”

É transformar a invasão em ocupação, mas transformar a partir de si mesmo. É um movimento que começa uma mudança que vai de dentro para fora. E é um movimento difícil porque envolve todo mundo. É uma mudança de concepção e de visão de mundo. Eu até coloquei isso no projeto, escrevi sobre isso. O conflito existe, o conflito dói mas dói muito mais olhar para si mesmo. É um movimento que incomoda muito mais, porque você tem de abrir mão do que você pensa, você tem que aprender com o outro.

O diretor Wellington Deromediz em sua sala de trabalho.

O diretor Wellington Deromediz em sua sala de trabalho.

A gente não pode esquecer que antes de ser professor, antes de ser diretor, nós somos sujeitos sociais. No que o Wellington acredita e como ele enxerga o mundo? Isso é determinante na maneira em que ele enxerga a escola. Eu digo até que é uma visão muito avançada de educação, a de entender a democracia como necessária na escola. Por que que você coloca o colegiado como importante? O conselho de escola, a comissão de mediação de conflitos, o grêmio estudantil? Você não faz isso só para compor um grupo, você está fazendo isso para que todos pensem a ajam sobre a sua realidade. Desvincula a imagem do diretor para resolver tudo.

Então acho que a partir do momento em que você tem essa concepção clara você tem até a condição de recusar outras formas de educação e falar “aqui nessa escola nós não queremos um tipo de educação excludente”. A partir do momento em que você responsabiliza, que você enxerga o direito humano e não somente uma questão de estudar por estudar.

Muito bom… Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar?
Queria contar o que ainda vai rolar com relação à quadra de esportes. Vai ser feito o alambrado, vai ser feita a pintura da quadra com a parceria da comunidade. Vai ter a grafitagem e também em novembro, nos dias 21, 22, 23 e 24 de novembro, nós vamos ter a semana da mostra cultural.

Antes nós tínhamos somente um dia de mostra cultural, era sábado. Depois de todo esse processo, este ano teremos uma semana, que se encerra no sábado. Vamos propor vivências culturais para comunidade. O sr. Esmeraldo está com a gente para montar essa semana cultural, porque ele vai trazer novamente o pessoal da capoeira, vai trazer novamente os times para jogar aqui, para se apropriar desta semana junto com a gente. Inclusive ele vem contar sua história de vida, pois um dos itens do PEA é aprofundar histórias de vida. Os eventos estarão abertos para atividades da comunidade. Alguma mãe que de repente faça algum serviço de costura, enfim. Tudo isso vai entrar para a gente montar junto esse cronograma.

Aliás, como vocês estão documentando estes processos?
Temos uma ata para todas as reuniões que fazemos. Temos também nossos registros fotográficos. Estamos tendo cuidado com os registros. Isso até surgiu na discussão da semana passada. Na outra escola em que eu fui professor, aqui no Jd. Boa Vista, eles construíram um memorial com parceria da USP. A ideia de fazer um memorial aqui surgiu duas semanas atrás, trazida por uma professora. A escola está criando sua história, porque agora em 2018 são 15 anos de EMEF, uma escola nova. Mas a gente está tendo a preocupação de cuidar da linha do tempo da escola. Isso de que falamos hoje foi um exemplo de um conflito, do conflito da quadra e do cuidado que a gente está tendo com o registro. Mas agora esse cuidado tem que ramificar para tudo. Para que a gente possa num futuro breve, depois que a questão da quadra de esportes estiver devidamente sanada, avançar para outras coisas.

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Esta postagem faz parte da série Escola é lugar de aprender democracia. Veja os outros posts aqui.

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